Um artista completo

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Newton Mesquita

Newton Mesquita é daqueles artistas plásticos que “joga na onze”. É pintor, escultor, fotógrafo, cenógrafo, gravador (litografia e serigrafia), ilustrador de capas de livros e revistas. No currículo, são mais de 50 exposições individuais pelo mundo e outras tantas em exposições coletivas. Tem trabalhos expostos em Barcelona, Buenos Aires, Montevidéu, Tel-Aviv, Tóquio, Atami, Hong-Kong, Kyoto, Cidade do México, Nova York, entre outras cidades. Suas telas estão presentes  em inúmeras galerias, como a Galleria degli Uffuzi, em Florença, Itália. Formado em arquitetura e belas artes, quase seguiu a carreira de pianista. Retratou a cidade de São Paulo em inúmeros quadros e neste ano lançou um livro com parte de sua extensa produção. Mora e tem ateliê há mais de 20 anos na região.

Como se descobriu pintor?
Desde menino eu sempre desenhava. Meu pai era administrador de empresas e como gostava de música me obrigou a estudar piano. E por um tempo fiquei dividido. Queria pintar e tocar piano. Entrei em belas artes, mas logo percebi que o pessoal mais legal era o de arquitetura. Então fui fazer arquitetura. E já trabalhava como projetista de um escritório de arquitetura.

Se formou arquiteto?
Percebi que fazer belas artes seria uma “roubada”. Na época a escola era dedicada a formar professores de educação artística. Embora não pratique, gosto muito da arquitetura. Esta casa onde moro é projeto meu. A arquitetura é abrangente e além de fazer casas também serve para fazer outras coisas, de um objeto até uma cidade.  

Além de pintar, você é escultor, ilustrador, cenógrafo…
Todo artista plástico deveria jogar nas onze posições, como no futebol. Desenho, faço gravura, escultura, pinto… Quando você envereda por um desses caminhos, isso reforça o seu trabalho como pintor. Quem desenha, pinta muito melhor. Acho que a gente perde isso na formação dos novos estudantes de arte. Cada técnicas tem sua linguagem e uma complementa a outra.

Dos prêmios recebidos, tem algum que é mais importante?
O primeiro foi o prêmio de aquisição do Salão de Artes do Rio de Janeiro e foi muito legal porque era uma exposição muito competitiva. Mas os salões acabaram…

Por que?
Você via seu trabalho comparado com o de outros pintores. É parecido como música de festival. “O meu trabalho está melhor do que o do outro…”. Aquilo formava as pessoas.

E as Bienais de hoje?
Antes de mais nada, sou privilegiado, me saí bem e não tenho mágoas de ninguém. Não acredito em tema único para uma Bienal. É contra a liberdade.

Que tal ter seus trabalhos pelo mundo…
Isso é bárbaro para mim. Pode ser que nem sempre esteja exposto, mas está lá. Já fiz exposições em muitos lugares. O Japão, por exemplo, foram várias, mas só meus quadros conhecem o Japão, eu não. Tenho medo de avião e fico vomitando dois dias (risos).

Nossos museus são pouco frequentados. Qual o motivo?
Fui diretor do Museu da Imagem e do Som por um ano e sete meses e sem receber salários. A função do museu é guardar e cuidar da memória. O Masp, embora não seja tão importante nos dias atuais, deveria ser mais bem utilizado.

Algumas exposições atraem bom público. O público gosta de arte?
O espaço que a mídia dedica às artes plásticas é quase nulo. Na crítica de uma exposição é reproduzida uma imagem pequena dos trabalhos. Acho que a mídia impressa está numa encruzilhada danada. Afinal, qualquer IPad dá de dez a zero em matéria de recursos de imagens. É mais interessante, contemporâneo. Recentemente fui convidado para uma nova exposição e minha única condição é que seja feito um catálogo completo. O catálogo, além de agrupar os trabalhos, tem o currículo dos artistas. A mídia não dá muito espaço para as exposições. É meio elitista e meio largado essa coisa da informação da arte.

Desde quando você mora aqui na região?
Nasci na Maternidade São Paulo e aqui morei na Rua Pombal. Fiquei um tempo fora e há uns 22 ou 23 anos que voltei a morar na região. Aqui trabalho, moro, jogo sinuca, toco piano… e atendo o telefone (risos).

O que você acha de artistas como  Romero Brito que populariza seus trabalhos em diversos produtos?
Para mim, ele é um profissional. Gostar ou não do que ele faz é problema ou opção de cada um. O legal do trabalho dele é que ele se propôs a fazer uma coisa, foi fundo e tirou nota mil.

O que te motiva a pintar?
Primeiro pinto para mim, mas também faço trabalhos por encomenda. Tem espaço para todo mundo. Faço um paralelo. Em uma loja de disco você entra e pode comprar um disco do Villa-Lobos, legal, Roberto Carlos, legal… Cada um tem um gosto, você comprar alguns ou todos. Não tem uma receita de sucesso. Tem quadros que eu acerto mais do que os outros. Tem dia que tudo dá certo… E quanto mais você desenvolve a técnica, mais você sempre vai estar nos seus 90% pelo menos e nunca cai daquilo.

Você se relaciona com seus colegas de pincel?
Sempre convivi com pessoas muito legais, importantes e generosas como foi o Aldemir Martins, o cara mais generoso que conheci. Antes, existia entre os artistas uma troca que não existe hoje. A gente se reunia e ninguém ficava falando que “vendeu um quadro por tanto”. A gente conversava sobre o Corinthians, sobre o governo e outros assuntos. Era uma amizade mais afetuosa e genuína. Hoje, as pessoas estão olhando muito para o seu próprio umbigo.

A arte é cara. Acaba sendo para as elites?
Como dizia Nelson Rodrigues, isso é o “Sobrenatural de Almeida”. Um quadro, mesmo que mal cuidado, dura 100 anos. Não enferruja, não estraga, não sai de moda (a não ser que sejam quadros da moda). É um investimento. Além disso, um bom alfaiate, um bom médico, enfim, custa mais caro. Quem é competente e faz com todos os critérios, ele precisa ser bem pago. Comprar ou não é outro problema.

O que levar em conta ao comprar uma obra de arte?
Não é útil como uma cadeira ou uma mesa. Não é essencial como um prato de comida ou um remédio. Só faz bem para a alma. Se você ficar comovido com uma obra de arte, isso é bom para você.

E sua paixão pelo futebol?
Quanto ao Corinthians, sempre estou otimista. Ia mais ao Pacaembu que é perto e dá para ir a pé. Mas acho que a Copa do Mundo em 2014 vai ser uma “roubada”.

A cidade sempre aparece em suas telas…
No livro que acabei lançar tem muita coisa inspirada em São Paulo. Tem futebol, até uma tela de vestuário com os jogadores Sócrates e Ataliba. Agora estou trabalhando em uma série sobre Veneza, que é linda, e Nova York, que é uma São Paulo sem o Cidade Limpa, que eu acho uma merda! Sou do tempo que cidade limpa é quando as ruas eram limpas. Pelo nosso prefeito, Times Square em Nova York seria fechada. “Alto lá!”, diria Nelson Ned. Não é por aí.

Como é a sua rotina no ateliê?
Gosto de pintar escutando música clássica ou então Frank Sinatra. Trabalho todos os dias. Não tenho um horário fixo. E trabalho o tempo todo com o olhar, a imaginação… Faço um desenho e penso numa pintura ou em um objeto. Eu já fiz até roupas. Sou um renascentista e talvez seja o último por aqui. E acho que as coisas não são estanques.

Como é o seu processo criativo?
Sempre parto de uma referência fotográfica. Faço um esboço antes de ir para a tela. Quando uso uma referência fotográfica, me lembro de onde eu estava. A fotografia é uma base muito importante para mim.

Na Avenida Paulista tem uma pixação: “Se Picasso pixasse, pixação seria arte?”. Você concorda ou não?
Acho que a pixação é uma transgressão. Você pode fazer um bigode na Mona Lisa que está no Louvre. Na hora que isso vira uma forma de expressão, perde o sentido para mim. Acho que eles estragam a cidade.

Que avaliação você faz do trabalho dos órgãos oficiais?
As Viradas Culturais para mim é meio carnaval. E os museus ficam sub-ocupados. Aqui é um interiorzão. Somos preconceituosos, limitados, imitamos muito os outros. A ditadura foi terrível para o Brasil. Tínhamos a melhor música, a melhor arquitetura, a melhor gravura…

Você trabalha com galerias?
Elas têm um papel muito importante e precisamos delas. As comissões que as galerias pedem, eu acho um absurdo. Trabalho com as galerias que aceitam os meus termos.

O que trata o livro que você acaba de lançar?
É o primeiro livro que faço sobre meu trabalho. A Luciana Bellomo Gallo, minha mulher, fez a coordenação editorial do livro. As fotos são do meu filho Pedro Dimitrow. A família participou por competência, não por economia.

Pintar é o que você mais gosta de fazer na vida?
Eu faço a coisa que mais gosto de fazer na vida e me realiza. Mas também gosto de tocar piano, de ler e também assisto as mesas redondas sobre futebol na TV (risos).

Que lugares você frequenta aqui na região?
Ia muito na padaria Real, mas começou a ficar chato, não fui mais. Em Perdizes, vou muito à Pintar! (Rua Cotoxó) e à Mercearia do Francês, que é um lugar muito legal.

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