O futuro que nos espera

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O futuro que nos espera

O Núcleo de Estudos do Futuro (NEF), com sede em Perdizes, tem por objetivo integrar pesquisadores, muitos deles ligados à PUC, avaliar e analisar temas de longo prazo mais significativos. Além disso, coordena uma rede de comunicação entre especialistas em Estudos do Futuro e Prospectiva com um sistema internacional de informação de acesso público e dissemina suas pesquisas e estudos gratuitamente por meio da internet. O NEF é o representante do Brasil na rede internacional de pesquisadores do Projeto Milênio (www.millennium-project.org). Para falar sobre o NEF e seu trabalho, entrevistamos o seu presidente, o professor Ladislau Dowbor, pós-graduado em economia e administração, autor e co-autor de mais de 40 livros, entre eles, “O Que é Poder Local” (Brasiliense) e “Formação do Terceiro Mundo” (Brasiliense). 
 
Como surgiu o NEF?
A ideia foi do professor e estatísco Arnoldo José de Hoyos Guevara, da pós-graduação da PUC de Campinas. Junto com ele, começamos a nos preocupar com o que chamamos de megatendências (megatrends). Por exemplo, a evolução da população. Em 1900, éramos 1,5 bilhão. Hoje, somos sete bilhões. Temos, a cada ano, o acréscimo de mais 80 milhões de pessoas ao ano. Se olharmos um pouco para frente, vemos que temos um planeta com dimensões bastante limitadas. Todo mundo quer consumir mais, então é óbvio que temos um problema prático. Pensar que vamos conseguir aumentar o consumo de maneira indefinidamente só pode ser pensado por um idiota ou por um economista (risos). A tendência demográfica é um eixo de transformações planetárias sobre o qual temos pouco controle.

O que pode ser feito?
Podemos limitar tanto as políticas econômicas como as demográficas, o fato é que vamos para 9 bilhões de pessoas. Hoje a taxa de natalidade mundial está em 1,1% ao ano, que parece pouco, mas cresceu a base. 
 
É possível prever o que vai acontecer em 2050?
Sabemos quantas calorias cada ser humano precisa para viver, quanta agricultura é necessária para alimentar essa população, quanta terra temos e o volume de água disponível. É interessante pensar o seguinte: no momento que estamos evoluindo da economia dos bens físicos para a economia do conhecimento, sendo ele um bem não-material, quando produzo conhecimento, não redução do estoque, eu multiplico. E com as tecnologias disponíveis, podemos generalizar o acesso ao conhecimento através do planeta e temos um gigantesco vetor de democratização, que é outra megatendência que está reformulando as estruturas planetárias. 
 
O que estamos legando às gerações futuras?
De 1750 para cá, com a Revolução Industrial e com a tecnologia atual, o ser humano é o principal vetor de transformações geológicas-climáticas-biológicas do planeta. Isso é interessante porque a inércia da mudança climática é muito poderosa, mesmo que tomemos medidas práticas neste momento com redução das emissões de gás carbônico, óxidos nitrosos e outros. Ou seja, o longo prazo está começando a se desenhar com todas as inseguranças. Na área científica, trabalhamos mais com as probabilidades do que com as certezas. Vemos a evolução da economia em seu sentido amplo, da globalização. Antigamente, produzíamos para a nossa vila, algumas cidades vizinhas. Hoje, produzimos para o mundo. Temos dinâmicas econômicas extremamente poderosas, o sistema de pesca industrial oceânico trabalha com o mercado mundial, o sistema financeiro internacional, a exploração mineral e de petróleo em particular pertencem a uma economia global. E não há um governo global. O que existe de governança mundial basicamente são as Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Mundial e o Banco Internacional de Compensação, de Basileia (Suíça).

A água é outra preocupação?
A água é outra tendência na qual estamos trabalhando. Escrevi o livro “Administrando a água como se fosse importante”. O título é irônico e provocador porque as pessoas ainda não estão se dando conta de que a água, também chamada de “ouro azul”, se renova, mas nós conseguimos contaminá-la com muita rapidez. Ainda não temos tecnologia para limpar a água dos lençóis freáticos. Os rios estão sendo contaminados por diversas fórmulas de poluição química, pela agricultura em particular, e por sua vez os rios vão contaminar as plataformas marítimas, que vai reduzir a reprodução dos sistemas de corais que são vitais aos outros seres marinhos. Com isso, leva à explosão de algas e águas-vivas gigantescas que hoje estão se multiplicando. São algas gigantescas, com mais de 400 quilos, retiram o oxigênio da água. A Baía do México, o Mar Báltico e parte do Mar Mediterrâneo são regiões mortas. É só entrar na internet que podemos ver filmes mostrando essa situação em diversas partes do mundo. O que acontece é que o petróleo levou 70 milhões de anos para ser produzido e estamos usando-o para andar em veículos possantes. E pergunto: o que vamos deixar para as gerações futuras? Ou seja, é muita pretensão nossa. 
 
Podemos mudar nossas atitudes?
Ao estudar a economia e o futuro, vemos como as pessoas não pensam naturalmente a longo prazo, gerando uma espécie de reset mental e passando a pensar no petróleo de outra maneira. As pessoas acham bom que empresas como a Vale conseguem ganhar muito dinheiro extraindo e exportando muito minério. Pergunto: nos interessa nos livrarmos do ferro ou do petróleo? Nos interessa esgotar a capacidade do solo? Bom, a gente poderia devastar um pouco mais da Amazônia… Interessa? Para se produzir um quilo de café, precisamos de 20 mil litros de água; para um quilo de arroz, 4 mil litros de água. A gente chama isso de água virtual. 
 
É um quadro preocupante…
Precisamos nos conscientizar mais. Nós queremos criar canais de tomada de consciência. Podemos passar a usar os recursos de forma inteligente. O paulistano joga 1,2 quilos de resíduos por dia. O que é resíduo? É material que foi produzido. Alimento, papel, plástico, etc. Só de embalagem descartamos cerca de meio quilo por pessoa por dia.
 
A reciclagem ameniza esse impacto?
Em termos planetários, a mudança de visão é a seguinte: nós, como sociedade, captamos os recursos naturais e estamos esgotando-os, depois transformamos, consumimos. Esse consumo aumenta rapidamente e depois descartamos. Por um lado, esgotamos os recursos naturais e por outro lado, estamos contaminando o meio ambiente. Em vez desse processo, precisamos que o sistema seja circular. Vou dar um exemplo: a Siemens já produz equipamentos que além de ter uma durabilidade maior, suas diversas peças são montadas de acordo com os tipos de materiais para depois serem mais fáceis de reciclar. Isso é uma mudança nos processos produtivos. Na realidade, a compreensão do longo prazo, as novas tecnologias permitem arrancar recursos naturais com facilidade não importa o volume e onde eles estão. Temos de ter nossas responsabilidades.
 
No caso de São Paulo, o grande número de veículos ajuda a complicar?
Isso é uma deformação do consumo global o uso idiota do petróleo, que é uma coisa preciosa. O paulistano gasta cerca de 2h43, em média, no deslocamento para o trabalho e para casa. Nesse tempo ele não produz nada, não convive com a família, não está se aprimorando…
 
O transporte coletivo é a solução?
O carro em si não é um drama. O deslocamento diário de milhões de pessoas na mesma hora para o mesmo local com veículos individuais é de uma idiotice patológica. A pessoa levanta às 4h30 da manhã, volta às 10h da noite, adormece no sofá vendo TV… E a propaganda do cartão de crédito diz que “a vida é agora”. Isso não é boa qualidade de vida. O caso de amor do brasileiro com o automóvel na verdade está gerando uma tragédia.

Quais outros problemas que temos hoje que se não mudarmos nosso comportamento serão problemas no futuro?
Hoje, os Estados Unidos têm cerca de 30% de crianças obesas. Aqui, caminhamos para isso. As crianças precisam comer legumes e frutas, mas empresas como Burger King e outras oferecem comidas ruins. A menina com 13 anos que se tornou obesa, arrumou um grande problema para o resto da vida. Por outro lado, há empresários, advogados, cientistas, publicitários e outros que defendem essas empresas. Nosso grupo de pesquisa tenta mostrar ao que leva esse comportamento através de projeções com relativa facilidade. Claro que não podemos afirmar hoje se o número de crianças obesas nos Estados Unidos será maior ou menor. Mas que estamos caminhando para isso, é evidente.
 
O que dá para mudar já?
O conceito de inércia é muito importante. Exemplo: para um navio do porte do Titanic, com um iceberg a 2 ou 3 quilômetros a frente, já não dá para evitar a colisão. Não vai dar tempo para deslocar a massa do navio para evitar o choque. No nosso caso há momentos que se tornam irreversíveis. Se atingirmos mais de 500 ppm de concentração de gás de efeito estufa, provavelmente terá início um processo acelerado de transformações climáticas no planeta que será irreversível. Aí não adianta reduzir carros, emissões… Os processos se encadeiam, se as calotas polares derreterem, assim como o gelo da Sibéria e do norte do Canadá, não teremos como reverter a situação. A neve que reflete parte do sol que a terra recebe vai dar lugar à lama preta que vai absorver mais calor e aumentar o aquecimento. Os mares se tornarão mais quentes e teremos mais vapor,  um dos fatores que reforça o efeito estufa. E o processo se torna irreversível. Estamos como humanidade, correndo um grande risco. 
 
O cenário é de pessimismo.
Meu colega Ignacy Sachs diz que o pessimista é o otimista bem informado (risos). Nós precisamos ser bem-informados, e isso envolve um alto grau de ceticismo. Precisamos ter certa tranquilidade.

A conferência Rio+20 vai discutir esses temas?
O aquecimento global, o crescimento demográfico, a contaminação da água… Temos mais de um bilhão de pessoas passando fome. Por outro lado, hoje produzimos muito mais alimento do que seria necessário para cobrir as necessidades de todo mundo, mas por causa de mecanismos econômicos, esse alimento não chega a todos os lugares. O que está faltando é governança que será um dos temas centrais da Rio+20 em junho próximo. O processo decisório dos recursos que dispomos é completamente surrealista. Está baseado em grandes advogados que querem maximizar os interesses dos grandes grupos e é onde se perde a visão do resultado sistêmico. Para nós, a visão a longo prazo e a visão sistêmica são eixos fundamentais. 
 
Existe esperança?
Existe muita coisa acontecendo nas cidades que não custam nada, nem poluem e nem esgotam os recursos. O movimento Boa Praça aqui na zona oeste é um deles. Há uma outra abordagem, menos comercial, mais centrada na satisfação e que contribui na redução das tensões da vida. Nosso trabalho constata que com muito menos recursos podemos viver de maneira boa. Precisamos reduzir a distância que existe entre os muito ricos e os muito pobres. Ao reduzir essa distância você reduz também as tensões sociais. Através de nossas pesquisas damos nossa contribuição científica à sociedade. É uma ação de economia inovadora.

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