A casa simples contrasta com os prédios das imediações da PUC-SP, em Perdizes. Quem mora nela, desde 1926 é o aposentado João Batista da Silva Junior. O ano é o mesmo de seu nascimento.
‘Seu’ João vive em companhia dos seus oito gatos. Animado, ele não pensa duas vezes antes de mostrar o seu maior tesouro: cerca de 350 edições do Nosso Jornal, um informativo com notícias do Grêmio Esportivo 25 de Janeiro, que ele mesmo fazia usando recortes, desenhos, cola, fita adesiva e muita criatividade. Durante duas décadas ele registrou as atividades do time, cuja sede ficava bem próxima da rua Bartira. Os jogos, as viagens pelo interior, as histórias dos jogadores, táticas de jogos, tudo isso se funde aos artigos sobre fatos históricos, como a chegada do homem à lua e a morte do Papa João XXIII, e até mesmo algumas poesias, quadrinhos e “notas homeopáticas” .
“No dia 17 de março de 1962 fiz a primeira edição”, lembra seu João, com a lucidez dos seus 81 anos. “Fazia o jornal nas horas de folga, pois eu trabalhava nove horas e meia por dia. Saia uma edição só; era a menor circulação do mundo”, orgulha-se. João não jogava futebol, segundo ele “por que não tinha condições físicas de jogar”. Mas queria fazer alguma coisa pelo clube: “Acabei tendo mais trabalho do que se jogasse”.
Ele não seguia uma ordem para fazer o jornalzinho, usando ao máximo sua liberdade de expressão! “Quando eu estava com vontade de fazer um editorial, um artigo, eu escrevia… Até se encontrarem as duas partes e montar o jornal. Fazia colagem na primeira página. Se eu tivesse umas fotografias podia tirar cópia e fazer as capas. Mas não tinha, então inventava”.
Foram 23 anos criando um jornal totalmente artesanal, um verdadeiro registro histórico sobre um time que existiu em Perdizes de 1958 a 1982. João relembra: “Aqui tem o nome de alguns jogadores. Alguns faleceram; o Geraldo Adão está internado a 24 meses na UIT da Beneficência Portuguesa. Ele teve mal de Alzheimer e um derrame”.
Aliás, a lembrança dos bons tempos no bairro e dos amigos para ‘seu’ João é “só alegria”. Mas, infelizmente, muitos destes amigos se dispersaram. “Antes eu saia na porta de casa e a turma estava reunida ali na esquina, a gente jogava bola, tínhamos a sede do clube na rua de baixo. Mas agora os que não morreram, desapareceram. É a mesma coisa que morrer, não é?”.
Ele nunca se casou. Trabalhou durante 42 anos em uma indústria metalúrgica, onde “era coringa, o funcionário mais antigo, então tinha que fazer de tudo. Dava até banho no cachorro da patroa”. Para ele, Perdizes cresceu demais. “Em parte isso foi bom, mas em parte foi ruim. O bairro era mais provinciano, todo mundo se conhecia, agora conheço poucos vizinhos. Tem um vizinho só que é antigo. A maioria é gente que veio de fora. A minha casa é uma das mais antigas da rua, foi construída em 1924. É mais velha do que eu. Recebemos essa casa de herança da madrinha do meu irmão. É usufruto. Quando acabar a geração, eu sou o último, vai para a Santa Casa de São Paulo”.
Quanto à preservação dos seus jornais, ‘seu’ João fica um pouco receoso: “Tem um rapaz que quer encadernar. Se eu morrer fica tudo com ele. Mas enquanto eu for vivo não quero deixar os jornais. Até hoje não acredito que escrevi tudo isso. Não dá mais pé agora. Tento fazer e não sai, só escrevo umas poesiazinhas”. E assim registra uma vida de poesias, ‘seu’ João!