Doença silenciosa

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Kelly Monteiro
Datam da Idade Média os primeiros relatos de uma doença misteriosa, que transforma a pessoa e que se caracteriza por uma grande perda de peso, a partir de uma dieta de fome auto-imposta: é a Anorexia Nervosa. A morte da modelo Ana Carolina Reston Macan, 21 anos, vítima de complicações provocadas pela anorexia, chamou a atenção para a doença, um mal que tem atingido um número cada vez maior de pessoas, em sua maioria mulheres.
A anorexia nervosa é um transtorno alimentar, assim como a bulimia e a compulsão. Os transtornos alimentares são determinados por uma diversidade de fatores biológicos, psicológicos e sociais que interagem entre si de modo complexo, para produzir e muitas vezes, manter o transtorno por tempo indeterminado. Porém, uma questão sempre levantada, é que os sintomas alimentares podem expressar ou ocultar sentimentos de raiva, desespero, competição agressiva, rejeição ou solidão.
Segundo a psicóloga clínica, Eliane Domingues Carbone, a excessiva preocupação em relação ao peso do corpo e o desejo de ter um corpo esbelto estão presentes nos transtornos alimentares, sendo que a forma pela qual os pacientes tentam atingir ou controlar esse objetivo, distingue qual o transtorno em que o paciente se encaixa. “Todos que fazem dieta ou regime não necessariamente desenvolvem um transtorno alimentar. Trata-se de encaixar-se em padrões alimentares desenvolvidos de forma absolutamente inadequada, como anorexia, bulimia, compulsão alimentar periódica”, diz.
Para a psicóloga Valéria Lemos Palazzo, coordenadora do Grupo de Apoio e Tratamento dos Distúrbios Alimentares (GATDA), um dado preocupante é que a anorexia tem sido cada vez mais precoce, atingindo meninas dos 10 aos 12 anos de idade. Segundo ela, uma combinação de fatores tem propiciado este quadro. “A mídia tem mostrado muitos casos de modelos e é preciso ficar claro que a anorexia não atinge apenas as modelos, mas mulheres e meninas de qualquer idade, classe social ou profissão. O que ajuda a desenvolver a anorexia é uma combinação de fatores genéticos, hereditários, ambientais e culturais, onde entra a ditadura, o culto a beleza e a magreza, e também fatores pessoais, ou seja, o tipo de personalidade com tendência para a doença”, analisa.
Pacientes com anorexia tem tipos de personalidade diversos, mas podemos destacar alguns traços, como a grande necessidade de aprovação dos outros, uma tendência ao conformismo, perfeccionismo e falta de resposta às suas necessidades e questões internas. Outro fator importante é a autopercepção comprometida do tamanho do corpo. “É típico que pacientes sejam descritas pela família como dóceis, colaboradoras, sensíveis e exemplares que, após o aparecimento do transtorno, muitas vezes ‘se transformam’. O curso da anorexia é muito variado, e como para as pacientes anoréxicas não há doença, pelo contrário, dizem que elas estão magras e elas pensam exatamente o contrário, o tratamento é muito difícil e tem de ser iniciado o quanto antes com equipe multidisciplinar, para que o enfoque não fique só no alimento e sim, na paciente e na família, para que juntos possamos ter algum êxito. No meu trabalho clínico, vem aumentando o número de pacientes que na infância apresentavam um quadro de obesidade e ‘trocaram’ na adolescência este quadro por anorexia”, comenta Eliane.
Valéria também chama a atenção para a mudança de padrões relacionados ao culto à beleza e à magreza. “É preciso mostrar que para ter sucesso profissional e afetivo não é preciso ser magro. O ruim é quando os própriospais acreditam nisso, quando a mãe quer que a menina coma direito e toma remédio para emagrecer ou ela olha para o próprio corpo e fala ‘essa barriga, eu preciso emagrecer’!”. Sem falar que o Brasil é o campeão em números de cirurgia plástica, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Cada sociedade elege o seu modelo de beleza, porém quando as pessoas se deixam escravizar por estes modelos pode levar a doenças como a anorexia. Não há soluções e nem respostas rápidas e prontas. Para se reverter um quadro de anorexia é preciso trabalhar com cautela, colocando sempre a saúde e a integridade da paciente como principal ponto a ser preservado.

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