A Escola de Samba Águia de Ouro leva para o sambódromo, este ano, um enredo, no mínimo, perturbador: a violência contra a criança. Numa época em que estão estampadas, nos jornais, notícias como a da menina jogada pela própria mãe na lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte (MG), nada mais pertinente do que se fazer um alerta contra essa forma de violência. É a escola de samba fazendo seu papel social, por meio de denúncias de um Brasil que ninguém quer ver desfilando na avenida.
“A Águia de Ouro ficou caracterizada com a escola de samba que leva para o sambódromo temas intelectualizados e que falam alguma coisa sobre a situação do País”, diz o carnavalesco Victor Santos. Ex-integrante da comissão de carnaval da escola de samba carioca Beija Flor de Nilópolis e campeão do Carnaval 2005 de São Paulo com a Escola de Samba Império da Casa Verde, Victor sabe do que está falando quando diz que violência contra a criança não é um tema nada fácil de ser desenvolvido por ser um assunto triste e polêmico abordado na festa mais colorida e alegre que se tem notícia: o Carnaval. “Mesmo assim conseguiremos fazer um desfile bonito, com alegria e beleza, fazendo um alerta sobre essa forma de violência”, diz.
O universo de fantasia da criança abrirá o desfile da Águia de Ouro. Logo na Comissão de Frente será mostrada a luta entre o pensamento mágico típico da infância, representado na figura dos magos, e a violência, transvestida de guerreiros. “O carro abre-alas é todo voltado para este pensamento mágico, é um cenário com fadas, reis e rainhas, simbolizando os pais, e príncipes e princesas, representando as crianças”, explica o carnavalesco. Ele revela ainda que a águia, o símbolo principal da escola, vem em atitude de defesa da criança, transformada numa fênix, uma criatura da mitologia que se renova: “A intenção é que esse quadro de violência também se transforme”.
As baianas, a ala mais tradicional de uma escola de samba, serão as fadas madrinhas e o carnavalesco destaca a ala chamada de “O Susto”, que representa todo tipo de atitude violenta que interrompe o pensamento mágico. “Uma mão levantada para dar um tapa em uma criança pode interromper esse processo porque a criança deposita toda a confiança num adulto”. As atitudes violentas também são representadas pela ala dos vilões: lobo mau, bicho papão, bruxas, piratas, entre outros.
Outro carro alegórico que, segundo Victor, promete chamar a atenção é o dos escritores dos contos de fadas, representados por Monteiro Lobato: ele abre as portas do Sítio do Pica-pau Amarelo para os personagens de fábulas e contos do mundo inteiro. “Neste carro também abordaremos a gravidez na adolescência e a questão dos meninos empurrados para o tráfico. Além disso, a Águia irá falar de tráfico de meninas e da violência disseminada via internet. Transformamos a rede mundial de computadores em uma teia de aranha espalhada pelo mundo inteiro e que captura as crianças para levar até a armadilha, que é a aranha, um símbolo da morte”.
Para encerrar o desfile, o escola mostra o outro lado da história, apresentando tudo que a criança necessita, como a família, educação, cultura, liberdade, além das ong’s que lutam para protege-la. “As escolas de samba têm força e uma penetração muito grande, por isso é importante abraçar um tema como este. Serão 4.500 componentes cantando essa denúncia, vivendo isso. E a denúncia é a solução e é dever de todos nós observar se a violência contra a criança não está acontecendo do nosso lado. A esperança da criança é que alguém olhe por ela. Vamos apresentar esse grito de alerta em carros alegóricos grandiosos, em fantasias e no samba enredo”, conclui.
A Águia de Ouro é a quarta escola a desfilar no dia 25, sábado. Porém, uma semana antes, dia 18, quem quiser pode cair na “Pholia”, evento que acontece no Memorial da América Latina. Uma boa dica é aderir ao bloco “A Lapa Somos Nóis”, que irá homenagear o Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Nenê de Vila Matilde, com o samba Narciso Negro, de 1997. Segundo Décio Ferreira, um dos fundadores do bloco, serão 16 alas e cerca de 1.500 componentes embalados pelo ritmo da bateria da Escola de Samba Império Lapeano. O bloco sai as às 17h45 e vale a pena curtir o desfile.
Não tem desculpa
Vi num rosto de criança
A esperança, a inocência no olhar
Entre magias e contos de fadas
Sonhos a realizar
Mas todo encanto se perdeu
Ao perceber o mundo de horror
Sofrendo explorações
Abuso em seu lar
Obrigada a oferecer prazer carnal
E ver o lobo mau
Comer a vovozinha
De olho na menininha
O pirata, então, chegou
Com riquezas encantou, enfeitiçou
Levando, assim, em suas mãos
Nossas crianças com destino a perdição
Pedofilia e covardia eu digo não
Na internet quero amor, educação
Não tem desculpas, não
Denúncia é a solução
Pra quem tem culpa
Sofrer a punição
Eu quero ver, enfim, o meu Brasil feliz
E nessa festa brincar, cantar e sorrir
Hoje a Pompéia vai te enlouquecer
A Águia de Ouro é fogo
Cai no meu samba, vamos festejar
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