Para gostar de ler

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Não é absolutamente verdade que as crianças e adolescentes não gostam de ler. A onda provocada pelos livros de Paulo Coelho que seduziu os jovens a partir do final da década de 1980 e a atual mania Harry Potter são a prova disso. Evidentemente, não há uma causa simples que explique o problema do baixo interesse pela leitura entre as crianças, jovens e até mesmo os adultos, nem uma solução mágica que o resolva.
Diferentes aspectos estão relacionados com esses resultados, como o hábito e a valorização da leitura em casa, o papel da televisão e da internet na vida contemporânea, o preço do livro, a formação dos professores e sua concepção de leitura, as práticas de ensino de leitura, a qualidade das obras selecionadas pela escola, o tipo de ensino que se faz da literatura no ensino médio, as listas de obras literárias indicadas pelos exames vestibulares, etc. Os brasileiros, além de lerem pouco, lêem mal. É o que mostram os resultados de diferentes instrumentos de avaliação, tanto estrangeiros quanto nacionais.
“É muito difícil despertar um adulto para o prazer que a leitura proporciona, dado que a sociedade moderna oferece uma série de outras opções”, diz o pedagogo Amir Piedade, mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP, professor do magistério oficial de São Paulo, professor de Literatura Infantil e Juvenil da UNIMESP-FIG Centro Universitário Metropolitano de São Paulo, autor de livros infantis e editor de Literatura da Cortez Editora. Segundo ele, a leitura ainda é associada apenas a estudo. Raramente alguém a associa ao lazer. “O melhor é começarmos com as crianças e para crianças, nada melhor que contar histórias, se possível desde o ventre da mãe. Pode ser uma relação agradável a gestante parando alguns minutos, pegando um bom livro infantil e contando histórias, da mesma forma que ela conversa com a criança, afagando a barriga. Depois que a criança nasce, continuar a contar histórias, oferecer livros de panos, de plástico para a hora do banho e mais tarde os livros de papel. Levar as crianças à livraria, bibliotecas, encontro com autores e ilustradores. Ou seja, envolver a criança com o mundo da escrita e demonstrar que antes de instruir um livro diverte e é bom companheiro”.
Mas e quando não houve este estímulo na infância? Como despertar o interesse pela leitura nos adolescentes e jovens? A vontade de ler dependerá do modo de apresentação do livro. No entanto, não se deve impor a leitura de maneira alguma. “Neste caso, que é difícil, o melhor é despertar através do relato de alguma obra de tal forma que o jovem queira ler para conhecer melhor”. Amir lembra que não são os fatores sociais e nem culturais ou econômicos que determinam o interesse pela leitura. “A questão é que não é despertado desde a infância o gosto pelo livro. Na escola, muitas vezes, ele é cobrado com provas, resumos, trabalhos, que levam nota. Tal situação mais agride que ajuda. Além do mais, é preciso de exemplos. Se os pais não têm o hábito de ler, dificilmente os filhos terão. Para mudar esse quadro precisamos de campanhas que incentivem o jovem a ler, que demonstrem que a leitura é companheira, amiga. Que posso e devo praticar esportes, viajar com os amigos, ir às baladas, mas que também posso ter um tempo para a leitura como objeto de prazer, de lazer”.
Os livros que mais atraem são aqueles que têm boas histórias. Há quem resista ao clássico “O menino maluquinho”, do Ziraldo (Ed. Melhoramentos) ou ao “Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry (Editora Agir)? Há ainda os livros só de imagens, como “Ariranha” e “Boca de Piranha”, de Denise Rochael. E ainda os de histórias de amor com as quais todos acabam se identificando, como “A flor da pele”, de Edson Gabriel Garcia e Antonio Gil Neto. Para os adultos, Amir sugere livros de aventura, dependendo da área que mais lhe interessar, como games, ação, policial, etc. “Infelizmente, para quem não tem o hábito de ler, a possibilidade que venha a detestar clássicos como ‘Memórias Póstumas de Braz Cubas’, de Machado de Assis, ou ‘Vidas Secas’, de Graciliano Ramos, que são fundamentais em nossa literatura, é muito grande”, avalia Amir.
Ou seja, o principal ingrediente para se gostar de ler é o estímulo desde a infância, não só pela família, mas por professores, mídia, governos, escolas, bibliotecários, enfim, todos que desejam que as crianças tenham uma formação crítica. “Vivemos num mundo imagético e onde a mídia desempenha um papel fundamental. Imagine se usássemos permanentemente estes recursos (rádio, televisão, internet) para divulgar os livros e convidar as crianças e jovens a ler? Investir em acervo nas bibliotecas públicas e escolares, baratear o custo dos livros, promover eventos ligados à leitura. Um mundo novo se abriria para nossas crianças e jovens e com certeza mudaria muita coisa”, conclui.

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