Uma deusa ao seu alcance

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Nas últimas quatro décadas a vida das mulheres sofreu grandes transformações, em grande parte pelas mudanças do mundo, tanto na área social quanto econômica. A mulher surgiu como uma grande força trabalhadora e isso impulsionou inúmeras mudanças comportamentais e estruturais. Ela descobriu seu inestimável valor. Mas essas transformações vieram carregadas de dor, de culpa. Isso gerou um grande número de mulheres com dramas complexos para carregar durante a vida. São as dúvidas de ser mãe ou seguir uma carreira, ceder às pressões da sociedade patriarcal ou lutar por um lugar ao sol. Leda Fleury, psicóloga e terapeuta corporal, detectou esse “sofrimento” há mais de 20 anos e através de grupos de reflexão vem conseguindo “reorganizar” a vida de muitas mulheres. Acompanhe o trabalho interessante que ela desenvolve.
Como começou seu trabalho de reflexão sobre o feminino?
Como psicóloga, no meu consultório, sempre apareciam muitas mulheres. Eu era terapeuta corporal e os homens que vinham e não voltavam, tinham medo. Isso há mais de 20 anos. Logo entrei em contato com o livro “As Deusas e a Mulher”, de Jean Shinoda Bolen, e fiquei louca com ele. Percebi que era bem isso que eu queria trabalhar numa mulher. Essa viagem interna em busca de compreensão e conhecimento de si mesma é muito rica e reveladora!
O que diz o livro?
A autora trabalha com os mitos da Grécia Antiga, das deusas do Panteão grego, que são sete. Conta a história que, no princípio, antes do período patriarcal judaico-cristão, há milhares de anos, existia apenas a Grande Deusa, que era inteira, íntegra, uma só, completa e continha tudo nela. Esse período foi escolhido pela autora por ser mais próximo da gente, conta os mitos e fala das deusas que foram divididas. Através do comportamento de cada uma delas, chamado arquétipo, que está presente em toda humanidade, temos um referencial para as mulheres poderem se identificar.
Quais são essas deusas?
Temos Atena, a deusa mãe da sabedoria, da estratégia, que eu digo que atualmente é a grande executiva; Afrodite, que é a deusa da beleza, do amor e do sexo; Deméter, que é a mãe, deusa da fertilidade e também da agricultura; Héstia, deusa do fogo, da chama interna; Perséfone, que é filha de Deméter, deusa da morte e rainha do mundo subterrâneo; Hera, que é a esposa, deusa dos casamentos; e Ártemis, que é a deusa da floresta, da caça. Portanto, são as sete deusas que correspondem, simbolicamente, a cada pedaço do feminino (em psicologia, a sete comportamentos diferentes), possíveis de identificar em qualquer mulher. Quando coloco isso num grupo de reflexão, eu dou um referencial de identificação para as mulheres.
Como assim, explique melhor.
Não existe uma mulher que seja só uma deusa, por exemplo. Cada mulher incorpora todas as deusas. Por exemplo, as modelos estão vivenciando mais a deusa Afrodite, nesse instante da vida delas, com todos os problemas de alimentação por que passam. Mas todas as outras deusas estão lá, meio esquecidas ou negligenciadas. Toda vez que apenas uma deusa ocupar seu espaço interno, você vai ficar com problemas.
Como o mito, uma história, ajuda em termos práticos na vida de uma mulher?
Vamos dar outro exemplo: se uma mulher acha que é infeliz, porque é feia, gorda, eu conto para ela a história da deusa Afrodite, da beleza, e todos os percalços que ela teve na vida. Ela sofreu, passou humilhações. O mito dessa deusa tem uma força enorme por ser uma coisa muito antiga, traz uma energia e a pessoa acaba se identificando com ele, a mulher acaba se vendo nele.
Não seria mais fácil pegar a vida de uma pessoa de carne e osso para dar como exemplo?
O mito tem uma força por si só, você escuta a história de outra forma e ela tem uma força. É possível dar como exemplo outras pessoas, mas o mito, apesar de parecer tão longe, fala de coisas que tem em todo ser humano. É como genética, que vem, está com você. São atitudes, comportamentos, que estão lá dentro. E quando você ouve esse mito, você acessa algo que já existe em seu interior e isso te ajuda. E é diferente saber que isso já vem acontecendo ao longo dos tempos, que o problema não é só seu. Quando falo sobre reflexão do feminino, podemos refletir sobre cada pedaço desse feminino que foi partido, quebrado. Podemos juntar esses pedaços e fazê-lo de novo ser uma coisa que conviva junto, que não tenha briga, estou falando internamente. Que eu tenha filhos, seja uma mãe maravilhosa… Deméter está em mim, Afrodite também, mas elas duas não dão certo. Se você tem um marido, ele vai se ressentir disso. Então por que não posso administrar melhor isso? A Demeter pode estar presente enquanto eu estiver com meu filho e na hora em que ele estiver dormindo, eu posso acessar o outro lado, de Afrodite. Temos que aprender a administrar nossos vários papéis.
E o conflito mulher mãe versus mulher profissional?
A deusa Atena ajudou na Guerra de Tróia e sempre estava atrás de um homem, um grande rei ou um grande guerreiro. Ela se impôs muito ultimamente, são essas mulheres executivas de hoje em dia. E isso sobrecarregou as mulheres, porque Atenas é uma deusa muito exigente e, se eu estiver desempenhando esse papel, ela me exige muito. Atenas não tem filhos, é uma deusa virgem, não no sentido sexual, mas ela se basta a si mesma. Ela não precisa de companheiro, de gente, de ninguém. E as mulheres ficaram assim nos últimos anos. No início da liberação feminina ainda existia muito conflito de casamento, de mãe. Agora não. As mulheres assumiram que elas são executivas, que elas não querem casar, não querem ter filhos.
Isso não está mudando?E como você estuda todas as deusas no grupo?
São dez encontros de duas horas cada dia. O primeiro é mais geral, depois estudamos cada uma delas e no final fazemos uma roda das deusas: cada mulher desenha ou faz, simbolicamente, uma roda com todas as deusas e como ela se relaciona com elas. Eu proporciono o conhecimento de todos os mitos, todas as deusas e cada mulher vai administrar tudo isso do melhor jeito. Também uso um questionário para descobrir qual a deusa mais forte e a mais fraca em você. É preciso diminuir a que está muito forte, abafando ou elevando as outras.
E qual a deusa que mais se encontra hoje em dia?
Atena tem presença marcante atualmente, Afrodite está muito forte em algumas mulheres, Deméter sempre aparece e Ártemis está presente na defesa do Planeta em todas as manifestações ecológicas e de quebra de preconceitos. Enfim, é possível descobrir a deusa que habita em seu interior e torná-la sua cúmplice para melhorar seus relacionamentos e aumentar seu conhecimento de si mesma. Isso sem dizer que o homem também tem suas deusas internas. Mas vamos deixar esse assunto para outra matéria!

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