Escola pública|não é grátis!

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A jornalista Vanessa
Cabral e o fotógrafo Hélcio Nagamine são pais de Arthur, 10 anos, e
Ian, 8, e residem em Perdizes desde 2006. Até o ano passado os meninos
sempre estudaram em escola particular. Mas Vanessa e Hélcio não estavam
satisfeitos em pagar escolas que não satisfaziam seus anseios em
relação à educação dos filhos. Neste ano, eles matricularam os filhos
na Escola Estadual Brigadeiro Faria Lima, em Perdizes. Vanessa publica
no blog escolapublica.zip.net o que ela chama de ‘diário de viagem’ do
dia a dia dos meninos na nova escola. Nesta entrevista, ela conta como
está sendo essa nova realidade.

Escola sempre foi uma preocupação para vocês?
Desde
quando o mais velho tinha dois anos eu pesquiso os métodos das escolas
e as pedagogias. Mudei-os de uma escola para outra quando não estava
satisfeita. Ou a escola tinha estrutura bacana, mas a pedagogia não era
legal ou outra já queria ensinar a criança a ler e a parte de arte não
era legal. Ou o contrário, faltava o ensino formal.

Por quais colégios seus filhos já passaram?
Aqui
em São Paulo, eles estudaram na Alecrim, depois no Colégio Notre Dame,
e no último semestre eles estavam na Teia Multicultural, que tem um
projeto calcado no teatro. No final do ano, apresentaram uma peça muito
linda, superprofissional, mas o material de aula de um semestre tinha
cinco folhinhas. Faltou ensino formal.

O fator econômico pesou na sua decisão de matricular seus filhos em escola pública?
Nós sempre reclamamos muito dos preços das mensalidades. A média de preço vai de R$ 900 a 1.500. E têm outras mais caras.

Foi fácil vocês optarem pela escola pública?

muito tempo que conversamos sobre colocar os meninos em uma escola
pública. Na Vila Madalena, visitamos algumas escolas. Mas nessas
visitas ficávamos meio inseguros,como pelo número de grades e pelos
meninos muito pequenos.

E o que mudou?
Neste ano, eles
já estão maiores e podem falar e se defender melhor. Estávamos mais
seguros em relação a isso. E quando visitei a Brigadeiro Faria Lima,
gostei do lugar, da estrutura. Achei os professores e o diretor muito
interessados, envolvidos e fui muito bem tratada.

Quantos alunos têm por classe na Brigadeiro?
Uns 40 alunos. Nas outras escolas, as turmas eram de no máximo 15 alunos por classe.

Foi fácil a decisão?
Sim.
Eu acredito em uma microrrevolução no dia a dia. Querer um governo
ético exige que a gente seja ético no dia a dia. E quero passar desde
cedo esses valores para os meus filhos. Não me conformava de estar na
maior cidade do país e não ter uma educação pública de qualidade.

Teve muita pressão de parentes e amigos?
Minha
mãe ficou horrorizada quando soube. Alguns amigos ficaram em dúvida –
assim como eu fiquei. E pensei assim: ‘qualquer coisa eu troco de
escola’. E deixei avisada a escola anterior de que eu estava fazendo
uma experiência e poderia voltar. A diretora disse que não
aconselharia, fez propaganda contra…

Do que as pessoas têm medo na escola pública?
De violência e do ensino ruim. Percebo que o tema desperta a atenção de muita gente.

Os meninos sentiram muita diferença na nova escola?
Sim,
eles sentiram muitas diferenças no dia a dia… O mais velho teve mais
problemas que o menor, como os casos de bullying. Na última reunião de
pais a gente até falou sobre isso. Chamar de boiola o garoto que estuda
e tira nota boa é normal da idade, mas aí entra a orientação que a
família precisa dar aos filhos. Quero que ele resolva os problemas
dele. Converso muito com eles.

Houve diferença no ensino?
Nas
aulas de artes, nas outras escolas, os meninos experimentavam um grande
número de material de pintura, cerâmica etc., mas sem o embasamento
histórico. Na Brigadeiro, os professores usaram o quadro Guernica, de
Pablo Picasso (1881/1973), e sobre ele foi proposto um trabalho. Nada
rebuscado, mas de uma forma interessante.

Tem outro exemplo?
Quem
foi Tiradentes? O feriado passado (21 de abril), em nenhuma outra
escola os meninos receberam a informação de quem foi Tiradentes, o que
ele fez, por que se comemora a data… E acho que na Brigadeiro as
lições que passam para eles estão muito bem encadeadas. As professoras,
embora tenham turmas grandes, conseguem controlar os alunos.

Isso não acontecia nas outras escolas?
Não. As professoras com 15 alunos não conseguiam controlar a turma.

E o que falta?
Falta um parquinho para as crianças de 6 a 10 anos. São vinte minutos de recreio e não podem correr, gritar…

Você dedica um tempo para acompanhar o que eles aprendem na escola?
Sim, a gente conversa todos os dias. Olho os cadernos deles…

Você participa na escola?
Eu faço parte do conselho de pais e mestres. E agora me inscrevi para participar da associação de pais e mestres.

Os outros pais da escola têm a mesma disposição?
A
escola é muito grande. Têm outros pais engajados na educação dos
filhos. Na última reunião que teve, dos 47 alunos das duas séries,
foram 22 responsáveis. Eu acho pouco, mas como disse uma das mães
presentes, ‘vai quem está interessada e se preocupa’.

Qual é a maior diferença que você sente entre os alunos?
É a cultural mesmo. Nós frequentamos com os meninos cinema, teatro, exposições…

Seus meninos assistem TV e jogam videogames?
Sim,
é claro, mas a gente dá uma equilibrada. Sinto que a cultura televisiva
do país predomina. E nem acho que tem a ver com classe social. É
preciso que a gente também consuma cultura. E independe ter ou não
grana.

Eles gostam de ir à exposições?
Reclamam no
início. Nós não damos muita atenção e, quando chegamos lá, eles se
divertem. São informações importantes para a formação deles. Tem muito
programa acessível na cidade.

Como o blog entrou na história da educação deles?
Nunca
quis ter blog. Uma das minhas amigas sempre me incentivou a criar um.
Eu penso que um blog só vale quando há um assunto que vale a pena.
Detesto esse negócio de blog de terapia. Acho que tem muita gente
contando a vida através do blog. Vai para o terapeuta! (risos). Leio
alguns blogs por causa do trabalho. E eu não tenho tempo sobrando.
Tenho meu trabalho, meus filhos, meu marido, meu cachorro…

E como você virou blogueira?
Na
semana que eles estavam entrando na escola, eu estava meditando e me
veio a ideia de fazer um blog para contar essa experiência. Eu sempre
disse às pessoas que “escola pública não é de graça” e acabou virando o
nome do blog. As pessoas pensam que o que vem do governo vem de graça.
Nada disso, a gente paga por esse serviço! Escrevo quando tenho assunto.

Você divulgou o blog?
Comecei
a escrever em março deste ano e coloquei o endereço no meu Facebook
para discutir o assunto com os amigos. “Será que a escola pública é
ruim mesmo?” era o que eu queria discutir. E o Gilberto Dimenstein
ficou sabendo dele através de uma colega de trabalho e escreveu sobre
ele em sua coluna da Folha de S. Paulo. Daí em diante, a audiência
aumentou muito.

O preconceito com a escola pública é o mesmo em relação aos hospitais públicos?
Sim.
Estou numa faixa social onde muitas vezes as pessoas acham que só na
rede privada vai ter serviço de qualidade. O Hospital das Clínicas, por
exemplo, é sensacional.

Por que isso acontece?
Porque as pessoas têm medo mesmo. No Brasil as coisas são muito loucas.

Você recomenda matricular os filhos na escola pública?
Não
recomendo nada para ninguém. Mas para mim está sendo satisfatório, e
escrevi isso no blog. E ainda bem, porque não dá para pedir o dinheiro
de volta! (risos)

Concluindo, você está achando positiva a experiência?
Sim,
estou achando muito positivo para eles e para mim. Na reunião de pais,
tinha uma ida ao teatro e apenas os primeiros que levassem a
autorização poderiam ir. Eu achava que todos deveriam ir. Uma mãe
argumentou que é bom, porque mostra o interesse de quem quer ir
realmente. São outras visões. Isso é bom.

escolapublica.zip.net

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