Pacman, Super Mario Bros, Doom, Guitar Hero, Grand Teft Auto e The Sims. Todo mundo conhece pelo menos um jogo de videogame. Com o tempo, as imagens passaram a ser mais bem produzidas, e os produtores trouxeram mais realidade e até mais interatividade para o jogo. Flavia Gasi é apaixonada por games e uma expert no assunto. Jornalista e mestranda em comunicação e semiótica, essa moradora de Perdizes fez do videogame sua profissão. Ela já teve um quadro no Scrap MTV, na MTV, e hoje é editora de games do portal da emissora, onde mantém um blog em que coloca sua opinião sobre os lançamentos do mercado. Nesta entrevista, ela fala sobre como conheceu o videogame e sua evolução durante o tempo.
Como começou sua história com o videogame?
Meu pai é nerd de tecnologia. Toda vez que tem uma tecnologia nova, ele tem que trazer. Então, quando surgiu o videogame, ele tinha que levar para dentro de casa. E foi aí que ele mostrou o videogame para mim e para o meu irmão. A gente sempre jogou juntos. Fazíamos competições. Por outro lado, minha mãe é muito nerd de cultura. Foi ela quem me apresentou Star Wars. Ela me apresentou esse outro lado de contar histórias. Comecei a ler por conta dela. E acho que as coisas se juntaram. Quando o videogame começou a apresentar mais narrativa, foi quando começou a me interessar mais também. Mas eu jogo desde pequenininha, desde uns 6 anos.
Você é jornalista e mestranda. Sua tese tem relação com o videogame?
A primeira coisa que eu fiz, na verdade, foi psicologia. Fiz três anos e desisti. Foi o filme ‘Peixe Grande’ (2003) que me fez entender o porquê da mudança. A psicologia é o máximo, fiz toda a parte teórica. Mas não poderia contar histórias, eu só poderia ouvi-las. E com o jornalismo eu posso contar histórias. E o meu mestrado hoje é bem focado. O tema é ‘Passagens do Imaginário dos Mitos nos Games’. É uma análise de certas figuras do imaginário grego e como elas foram criadas no videogame.
Além da MTV, você trabalha em outras revistas?
Eu sou conselheira editorial da EGW e da Nintendo World, mas todo mundo que está nesse mercado há algum tempo já se conhece. Então eu já fui editora de outras revistas. Não tem tantos jornalistas especializados. É um mercado meio fechado.
O que atrai tanto as pessoas nos videogames?
Hoje é uma conversão de fatores. O videogame começou a despertar interesse na gente da mesma forma que o cinema fez, ou a fotografia. É um mercado de entretenimento completamente novo. Quando você está lendo, imagina aquela realidade, quando está vendo um filme, você basicamente assume aquela realidade e assiste. No videogame, você quis ser aquela pessoa. Se não se colocar naquele papel, você não vai conseguir jogar nunca. Para mim, ele é um avanço natural do que a gente sempre fez em relação à cultura. E hoje em dia, a gente está falando de interatividade e imersão. Porque uma coisa é ler um livro e ter um nível de imersão. Depende muito da sua imaginação. Outra coisa é você ver um filme que é muito mais imersível porque te traz um mundo mais pronto. E o videogame para mim é um nível a mais de imersão, no qual você tem que ser alguém.
E o que mudou nos games?
Ao longo das décadas, o que foi acontecendo é que essa coisa de jogabilidade, ludologia, que é a parte do sistema de regras do jogo, ficou muito amarrada com narrativa. E se você não entende a história, não consegue resolver os quebra-cabeças. Hoje tem uma variedade muito grande de tipos de jogos. Uns que são só de quebra-cabeças, outros em que a narrativa é importante e jogos que juntam essas duas coisas. Há pouco tempo, a Nintendo participou de um grande evento de videogame e perguntaram: “você provavelmente conhece alguém que não joga videogame, mas você não conhece alguém que não vai ao cinema?” Como é que o videogame, sendo a maior indústria de entretenimento do mundo, não atinge todo mundo? Com o lançamento do Wii, do Guitar Hero, surgiu essa nova classe de jogadores, que não é hardcore, mas também não é casual, que joga só no celular ou Paciência no computador. É o que a gente chama de mediocore, que foi uma grande diferença no mercado.
Então os jogos novos agregaram mais pessoas para o mundo dos games?
Isso. Igual quem vê filme só iraniano, provavelmente fica bravo que tenha filmes hollywoodianos. Então os hardcore gamers ficam bravos que tenham games casuais. Mas isso é necessário para o mercado. Por que eles não podem dividir essa experiência? Tem que ter um pouquinho de tudo. Outra coisa que é muito importante é a questão das escolhas. Antes você ganhava um personagem. Você tinha que se adequar a ele, vivê-lo. Hoje você tem escolhas. Jogos como Mass Effect ou Dragon Age, a cada pergunta que te fazem, você tem pelo menos seis respostas para escolher. Então você cria realmente quem é o seu personagem, como as pessoas vão reagir a ele e o final muda dependendo das suas ações. Existe muito mais a consequência dos seus atos dentro do videogame. E mais uma coisa que é muito importante é o advento do MMO.
E o que é MMO?
Quando você pega um jogo, ele tem começo, meio e fim. Você mata o chefão final, acabou o jogo. Hoje em dia, ele tem uma parcela on-line – você pode jogar o jogo junto com alguém. Mas, mesmo assim, a hora que termina aquela partida, acabou o jogo. O MMO (Massive Multiplayer Online) só acontece on-line. É um mundo permanente. Isso significa que, enquanto tiver gente jogando, esse mundo não deixa de existir. Eu jogo um mesmo jogo desde 2004. E isso é muito importante porque você está falando de um universo onde você escolhe o que vai fazer lá dentro, você pode usar ou tentar retorcer as regras daquele jogo.
Ele seria um tipo de rede social?
Ele é um pouquinho mais que isso. Numa rede social, você não tem um objetivo e um desafio. E essa é a diferença entre o que é jogo e o que não é. Quando é jogo, você tem desafio e objetivo, pelo menos um. Num MMO, você tem um milhão de objetivos e desafios. É um mundo que não acaba. É por isso que, quando sai um jogo, logo depois sai um download, um pedacinho a mais do jogo, um conserto. É uma continuidade disso para manter a pessoa na experiência.
Hoje existem várias plataformas (Wii, Playstation, Xbox, entre outros). Você acha que um dia tudo vai funcionar em uma plataforma só?
Tem muita gente muito importante no mercado que diz que caminha para isso. Hoje em dia, as plataformas sobrevivem porque elas têm jogos exclusivos. Você compra dependendo do tipo de jogo que você quer. Mas uma hora as empresas não vão querer mais exclusividade. Isso já está acontecendo. Eu imagino que no futuro haja uma plataforma única.
Há estudos que indicam que não é o videogame que gera violência.
Existe um medo muito grande de tecnologia. E sempre que surge uma nova forma de cultura, que abrange monstros, um pouco de violência, as pessoas se preocupam também. Quando surgiu o RPG, teve dois casos no Brasil de pessoas que se machucaram jogando. Esses dois casos foram suficientes para se criar um rebuliço em cima daquela nova forma de cultura. As pesquisas sobre como o RPG ajuda no aprendizado da pessoa vieram bem depois. Com o videogame é a mesma coisa. As pessoas têm muito medo de por que você tem que virar aquele personagem que vai lá e mata um monte de gente, se quando você sai daquele universo você não está virando mais insensível em relação àquela violência e nem carregando essa violência para sua vida real. Qualquer coisa que você viveu num mundo de fantasia serve muito mais para você acalmar suas ansiedades do mundo real do que para qualquer outra coisa. Se você for esperto o suficiente para trazer essas simbologias que jogou para a sua vida, é inclusive muito melhor para você do que não viver nada de fantasia. O videogame não causa agressividade. Para quem joga videogame isso é muito óbvio. O que foi provado, por outro lado, é que quando você joga videogame que tem quebra-cabeças e que tem que pensar, você começa a acessar outras partes do seu cérebro. Quem joga videogame descobre novas maneiras de resolver seus problemas no mundo.
Quais são seus jogos preferidos?
Você tem que perguntar de gênero e de década (risos). É a mesma coisa que você perguntar qual seu filme preferido se você vê muito filme. É muito difícil! Tem jogos que me marcaram ao longo da vida e que são muito diferentes. Os jogos da Blizzard – Starcraft, Warcraft – tiveram um impacto muito grande na minha vida principalmente em relação a jogar em rede, conhecer outras pessoas, saber estratégias. Mesmo porque cada um tem um universo muito denso de histórias por trás. Os jogos de futebol foram importantes porque, como eu sou menina, tive que aprender a jogá-los muito bem, para poder detonar os meninos.
Qual foi o último jogo que você começou a jogar?
Eu estou jogando o Red Dead Redemption, que é um jogo da Rockstar que acabou de sair. E o Super Mario Galaxy II, que também acabou de sair. Como sou jornalista, eu acho que tenho que jogar tudo. Eu tenho que ter uma visão. Não posso ter uma opinião se não joguei. Então toda semana sai game e toda semana eu estou jogando algo diferente.