Entre tintos e brancos

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Entre tintos e brancos

O vinho teria surgido na Ásia, depois foi difundido pela Grécia e Roma e mais tarde para todo o continente europeu. Hoje a bebida reúne muitos predicados e a cada vez mais é apreciada. Nesta época do ano, seu consumo sobe entre nós. O Brasil é um mercado em formação tanto em consumo com na produção. E para falar mais e melhor sobre o vinho, entrevistamos Carlos Haroldo, sommelier do Empório Perdizes. Aqui ele desvenda mistérios e dá dicas valiosas na escolha do seu vinho e como harmonizá-lo com a comida.

Como o vinho entrou na sua vida?
Vem da infância. Minha tia e meu avô tinham o hábito e eles misturavam água e açúcar e faziam uma sangria para as nós. Com o passar do tempo, me interessei pelo vinho em si. Na época, se vendiam muitos alemães, de garrafa azul e verde. Não tínhamos grandes rótulos naquela época.

E o trabalho com vinho?
Foi em meados de 1990. A importadora Expand buscava pessoas para trabalhar com vinhos. Eu na época vendia palmitos. Fiz uma entrevista e troquei o palmito pelo vinho. Com pessoas experientes aprendi muito sobre o mundo do vinho. Fiquei lá até 2004. 
 
É sommelier formado?
Me formei dentro da Expand. Fiz publicidade mas depois de “picado” pelo vinho fica difícil deixar. Em 1992, com a abertura do mercado brasileiro, trouxeram ao país excelentes produtos escolhidos por Jorge Lucki, hoje colunista do jornal Valor Econômico. Na época dos alemães, dos frascati italianos e outros vinhos comuns da Europa, não era preciso ter capacitação. Bastava o produto e ter preço. 
 
E depois da Expand?
Fiz consultoria, montei lojas, cartas de vinhos para restaurantes e treinei muitas brigadas de garçons e maîtres para facilitar a vida deles e dos clientes de maneira rápida e segura. 
 
Como você chegou ao Empório Perdizes?
Vim para fazer a montagem da carta, e sou responsável pela escolha dos rótulos do Empório. Hoje temos cerca de 70 fornecedores de várias partes do mundo. São vinhos de 17 países.

Vinho bom é vinho caro?
É possível comprar vinhos bons por preços razoáveis. Em um vinho de 15 reais, eu não vou conseguir encontrar nuances de qualidade. O vinho não pode ter defeitos. Ele precisa ser gostoso quando servido na temperatura correta. Precisa ser saboreado com prazer. 
 
Que defeitos ele não pode ter?
Não pode ter acidez acerbada, ser muito adstringente, amargor, e não ter excessos de açúcares. A não ser quando ele é elaborado com esse fim. Geralmente, o açúcar é da própria uva. Aqui no Brasil e na França, a legislação permite que se adicione açúcar em determinados vinhos. Mas para os vinhos finos isso não é permitido. 
 
Vinho é para poucos?
Todo mundo sempre transformou o vinho em um objeto extremamente valioso e misterioso. Eu não acho isso. O papel de um sommelier não é criar mistério e guardar segredos. Ele é um serviçal assim como o maître e um garçom. É um especialista em vinhos e outras bebidas. É sua obrigação conhecer tudo isso. É preciso simplificar e saber harmonizar.
 
Como harmonizar o vinho com a comida?
O bê-a-bá é o seguinte: vinho branco combina com carne branca – frango, peixe, frutos do mar e até o lombo do porco. O tinto sempre vai combinar com pratos mais escuros – risoto de funghi, carnes vermelhas, cozidos. 
 
E se a regra não for respeitada?
Um exemplo. O risoto milanês leva queijo, açafrão e vai combinar muito mais com um branco do que com um vinho tinto. O tinto, neste caso, vai “travar” a boca e causar uma sensação de fruta verde. Com o branco isso não acontece. É uma coisa natural e a maioria percebe facilmente. No caso de ser um risoto de funghi, o vinho branco vai causar uma sensação de aguado na boca. Neste caso, o tinto é o indicado. As cores de um prato ajudam a definir o vinho ideal. 
 
Como os restaurantes montam suas cartas de vinhos?
Alguns restaurantes têm uma prática que eu não aprovo. Por interesses comerciais montam a carta com vinhos de um único importador. Acho isso ruim. Ele me tira o direito de escolha. Acho que os restaurantes deveriam limitar em 50% sua carta a um importador e na outra metade diversificar as garrafas entre outras importadoras. 
 
Como descobrir a uva preferida?
Há um mundo de variedades. A cabernet-sauvignon é a uva mais plantada no mundo para a produção de vinhos e o gênero de vinho mais difundido. São cerca de trinta uvas brancas e tintas mais comerciais. A cabernet-sauvingon é a mais usada nos tintos e a chadonnay, nos brancos. Tanto no novo mundo (América do Sul, África do Sul, Austrália, Califórnia, nos E.U.A.) como no velho mundo (Europa). Muitas uvas se adaptaram muito bem em diversos tipos de solos pelo mundo afora. Mas temos em cada uma delas os vinhos mais e menos agradáveis de se tomar. 
 
Quem não tem experiência, como deve começar?
Comece pelos tintos com carnes escuras e a partir daí começe a formar o seu conceito. Provou o vinho e gostou, memorize o rótulo, a uva, o produtor, o ano. Faça um diário de vinho. Leia o rótulo. Ele tem muitas informações sobre o vinho. Mas nem sempre o que consta no rótulo vai combinar com o seu paladar. O papel do sommelier aqui é muito importante e auxilia o cliente na escolha.

Cursos e degustações ajudam no aprendizado?
Tem uma validade abstrata. Geralmente promovidos por um produtor, ele vai ressaltar as qualidades do vinho dele e “esquecer” os defeitos. O profissional precisa sempre fazer cursos. O amador deve participar dos eventos possíveis. Nas lojas ele pode obter informações práticas e rápidas. Mas nem sempre ele tem isso. Para aprender mais e melhor sobre, é preciso é beber. As provas são as melhores oportunidades. 
 
Os vinhos brasileiros têm um bom nível de qualidade?
O nosso vinho espumante está evoluindo e se saindo muito bem. Assim como acontece no resto do mundo, cada país é reconhecido por um tipo de vinho. A Itália, pelos seus proseccos, a França, pelos seus champanhes. O espumante brasileiro ganhou notoriedade e identidade. Mas ainda temos uma gama maior de vinhos que não tem essa mesma qualidade. 
 
Há grandes diferenças entre os vinhos produzidos pelo mundo?
Até a década de 1980, havia uma diferenciação mais acentuada. Depois houve uma migração de investidores e profissionais de vinhos para a América do Sul, África do Sul e Austrália e a qualidade aumentou bastante. 

Como servir o vinho?
Sempre utilizar taças. Para baixar a temperatura de um vinho, é melhor utilizar um balde com água e gelo. O álcool se volatiliza a partir de 21ºC. Para os claros, eu sugiro 11ºC. Para os tintos mais encorpados, 21ºC. Espumantes e vinhos de sobremesa devem ser consumidos abaixo de 10ºC, entre 5 e 7ºC. Abaixo disso, você está “matando” o vinho.
 
Vinho é moda?
O vinho veio para ficar. Ele símboliza a melhoria da qualidade de vida. A dieta mediterrânea sempre tem o vinho e aquelas pessoas têm um qualidade de vida boa com poucos enfartos. 
 
O que significa o vinho para você?
O vinho é um paralelo com a vida do homem. Ele passa por vários estágios ao longo da vida dele até chegar a plenitude que é a taça. O homem também. Aqueles que mais sofreram na vida normalmente tem algo melhor a dizer ou a passar aos outros. Nasce e passa por várias dificuldades, alguns vão mais longe. Um bom vinho vem de uma parreira que sofreu bastante. 
 
Qual é o seu vinho preferido?
Gosto do Chateau Pichon Contesse de Lalander, de Bordeaux. Tem uma história maravilhosa e é um bom vinho. Custava há dez anos atrás 40 dólares. Hoje custa 400.

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