Um novo olhar do Memorial

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Inaugurado em 1989, o Memorial da América Latina foi criado para fazer uma integração cultural, política, econômica e social da América do Sul.

São 84.842 m2 localizados ao lado do metrô Barra Funda. O projeto cultural foi idealizado pelo antropólogo Darcy Ribeiro e o projeto arquitetônico coube ao arquiteto Oscar Niemeyer. É uma fundação com autonomia financeira e administrativa, vinculada à Secretaria de Estado da Cultura do Estado. Entrevistamos o cineasta e escritor João Batista Andrade, diretor presidente do Memorial desde o final do ano passado. Aqui ele apresenta os planos de popularização do Memorial e fala de sua carreira de cineasta, que comemora 50 anos.

Que cara o senhor pretende dar ao Memorial?
O Memorial precisa ter um novo conceito de política pública. O que seria mais adequada não é servir para centralizar a política cultural com o resto da América Latina. Há outros instrumentos para isso. O que quero fazer é que a população tenha contato com a cultura latino-americana, incluindo a brasileira.

Como pretende atrair mais público?
O que quero é fazer do Memorial um lugar mais conhecido pela população. Que ela descubra o Memorial e passe a incluí-lo nos passeios. Não que a gente vá abrir mão das relações com a América Latina. Temos um contato direto com os consulados que estão aqui. Tudo isso tem um eixo, que é a popularização do Memorial. Quero que as pessoas venham e tragam seus filhos para conhecer o espaço que temos. 

Qual é a importância do Memorial para a cidade?
O Memorial é um espaço privilegiado, bem localizado, de fácil acesso através de transporte urbano e do metrô Barra Funda. Além disso, o espaço externo é próprio para realização de shows, feiras e eventos. Na parte interna, tem galerias, auditórios e outros espaços. Já recebemos em 2012, a exposição Guerra e Paz, do Portinari, que teve um grande público. Para 2013, faremos, em abril, a exposição do quadro Tiradentes, do Portinari. Aliás, o único filme realizado para o Cândido Portinari foi feito por mim. O curta “Portinari, o pintor de Brodósqui”, que fiz no começo da minha carreira de cineasta. 

A cultura sul-americana vai perder espaço?
Nós não podemos desdenhar do tamanho do Memorial e das opções que ele representa, sem deixar de levar em consideração a cultura do continente. Estamos trabalhando dentro das possibilidades para mudar o conceito do Memorial.

O que planeja em sua administração?
Vamos promover uma programação mais popular e, se possível, de graça. Tanto na praça pública como no auditório Simon Bolívar e outros espaços daqui. Trouxemos recentemente o Moraes Moreira. Nossos monitores estão aí para ajudar às pessoas a conhecer o Memorial. Queremos promover, aos domingos, eventos que podemos montar e desmontar com auxílio de barracas, para que as pessoas possam aproveitar o lugar para o público infantil e de terceira idade. 

Pretende ampliar o relacionamento com outros países?
Temos um contato internacional bem encaminhado com os consulados. Estamos ligados ao mundo, não só à América Latina. Em breve, vamos lançar uma publicação sobre a imigração japonesa. Temos a maior colônia japonesa fora do Japão. Faremos uma exposição de um fotógrafo italiano que fez belíssimas fotos na Amazônia. Pretendo viajar para outros países para estreitar nossa relação cultural, para ficar uma coisa mais viva. O pessoal de fora também precisa conhecer melhor o Memorial. Quero enriquecer a presença latino-americana e tornar aqui mais popular. Queremos promover feiras periódicas com um país servindo de tema.

E o festival de cinema de 2013? 
Ele acontece em julho. Estamos nos preparando para fazer um excelente festival. Além da semana do festival, vamos criar outros eventos e mostras. A ideia é que o cinema do continente esteja em cartaz durante o ano inteiro.

Sobre sua carreira de 50 anos de cineasta, quantos filmes foram?
Exatamente, eu não sei. Porque fiz muitos filmes para TV e perdi a conta. Mas posso dizer que foram 17 longas e outros filmes de média e curta-metragem.

Como começou a filmar?
Cheguei em 1960 em São Paulo para fazer engenharia na Escola Politécnica. Aí comecei a frequentar cinema, lia sem parar, ouvia todas as músicas possíveis, ia às bibliotecas, sebos… Em dois anos dei um grande mergulho na cultura. Foi aí que me apaixonei pelo cinema. Curioso, me juntei a um pequeno grupo de cineastas liderado pelo Francisco Ramalho, que depois virou produtor. 

Que tipo de filme lhe agradava mais?
Gostava mais do movimento neorrealista do cinema italiano. Diretores como Visconti, Fellini, Antonioni, Francesco Rossi e, é claro, pelo Rosselini. Era um cinema maravilhoso, que atendia, e muito, ao meu espírito. Tinha uma ligação forte da política e mostrava que o filme pode ser belo filmando a pobreza, a miséria… Gostava também dos filmes japoneses que via na Liberdade. 

E qual foi o primeiro filme que fizeram?
Criamos o grupo Kuatro, influenciados pelo grupo Kadr polonês. Filmamos em 1963 a peça “O auto do bezerro roubado”, do Ariano Suassuna, que a Ruth Escobar levava pela periferia e ela topou produzir. Depois vieram outros.

O momento político o influenciou os filmes que dirigiu nessa época? 
Eu também estava mergulhado na política estudantil, no cinema e até não era mal aluno, não. Mas aí veio a revolução de 1964 e acabou com tudo isso. Era uma época muito ativa. Eu acreditava que o país poderia ter uma mudança profunda. Digo que quem não viveu essa época não sabe o que perdeu. A juventude acreditava que o país era o futuro. A Bossa Nova, o Cinema Novo, os movimentos populares muito ativos, no campo e na cidade, a construção de Brasília e seu modernismo… Com a revolução, tudo caiu e acabou! E a partir daí precisei reconstruir minha vida. 

O senhor teve filmes proibidos?
Meu filme “Liberdade de Imprensa” foi proibido. Acho que foi o primeiro filme que focava a ditadura, com imagens do golpe, repressão. Foi produzido com dinheiro da UNE (União Nacional do Estudantes), mas foi apreendido pelo Exército no Congresso da UNE em Ibiúna. 

Sempre fez filmes críticos e contundentes? 
Faço e fiz cinema engajado, com muita crítica. Hoje é muito difícil de ser feito. O “O Homem que Virou Suco” (1980) é muito crítico e popular. Ganhou como melhor filme no Festival de Moscou, concorrendo com gente grande. Ganhei por unanimidade. Depois foi vendido para muitos países, embora tenha sido feito em 16 mm. Custou 80 mil dólares e foi financiado pela Embrafilme. A qualidade não era das melhores. Mas o filme compensava tudo. Não vi uma crítica reclamando da qualidade do filme. 

Outros filmes ganharam prêmios?
Sim. “Doramundo” (1977) e “País dos Tenentes” (1987) também me deram prêmios e tiveram sucesso de público. 

Como foi sua passagem pela TV?
Na TV Cultura trabalhei com o Vladimir Herzog e o Fernando Pacheco Jordão em muitas matérias especiais. Sempre estive ligado no social e muita coisa não foi ao ar. Cheguei a ser expulso da TV Cultura. E quando estava ocioso, fui chamado pela TV Globo, onde fiz o Globo Repórter, Domingo Gente, Fantástico, no início dos anos 1970. Também ganhei prêmios e em 1978 fiz o longa “Wilsinho Galileia”, que conta a história de um menino de nove anos que entrou para o crime e foi morto aos 18 pela polícia. O filme fala sobre a crise da violência do Brasil da época e que hoje é a mesma. Os rappers Mano Brown e Rappin’ Hood têm paixão por esse filme. Eu falava em 1978 de coisas que eles falam hoje. 

É fácil encontrar seus filmes?
Minha obra é muito complicada e não tem muita coisa para ver. Tem alguns filmes em DVD e não é fácil de achar. 

E como anda a produção do longa “Vila dos Confins”?
“Vila dos Confins” é um filme baseado no romance de Mário Palmério. É um longa e ainda não levantei recursos. Os atores Lima Duarte e Letícia Sabatella já confirmaram a participação. Mas com a minha vinda para o Memorial ele está meio parado.

Como está o cinema brasileiro hoje?
Está bem diversificado em relação ao meu tempo. Depois do Collor, os veteranos que não tinham como filmar foram substituídos pelo pessoal do curta-metragem. O terreno ficou livre para eles. Mas houve uma renovação louca. Gosto do cinema, mas não tem nada a ver com a minha formação. Os filmes retratam muita passividade e o cotidiano, para não falar nas comédias escrachadas. 

Que filme brasileiro o senhor gostou?
Vi “O Palhaço”, do Selton Mello, e achei interessante e engraçado em alguns momentos. Gostei do “Viajo porque preciso. Volto porque te amo”, é inquietante. 

Que cinema tem lhe agradado?
O cinema argentino e o iraniano têm bons filmes, com muita reflexão, o cotidiano deles. 

E sobre as produções americanas?
Eles têm uma capacidade de renovação tecnológica impressionante. E nós vivemos num mundo em meio a essa revolução. 

A meia-entrada ajuda ou atrapalha?
É polêmico. Assim como o vale cultura, critico a política cultural do país, que perdeu a dinâmica e está sem capacidade de renovação. Sou crítico com isso. Se confunde movimento cultural com cultura. É uma disputa por verbas.

É boa a lei que obriga as TVs a cabo a veicular produções independentes? 
Não me iludo e acho que nem todo mundo vai conseguir fazer o seu filme e ele vai passar na TV. 

Que cinema o brasileiro gosta?
Do norte-americano. Nem o governo, nem as TVs ajudam a reverter isso. A maioria das alas ficam em shoppings o que favorece as classes mais favorecidas. As TVs exibem sem parar os filmes americanos e justificam que pagam pagam um milhão para exibir um filme brasileiro e os americanos custam 50 mil dólares.

Os seus 50 anos de cinema terão uma comemoração especial?
Em 2002, o Centro Cultural Banco do Brasil fez uma bela retrospectiva da minha carreira. Mas não pensei ou planejei nada para este ano. 

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