Eliana Passarelli é promotora de justiça e moradora da região. Determinada em seu trabalho, a promotora que trabalha junto ao Fórum de Pinheiros, não foge à luta e não teve dúvidas em enfrentar os estudantes da USP que ocuparam a reitoria em 2011.
Ela denunciou 72 pessoas por formação de quadrilha, crime de dano qualificado ao patrimônio, porte de explosivos e pichação. Formada em direito pela PUC-SP, advogou por uma década antes de ingressar no ministério público como promotora de justiça. É professora universitária de direito penal e autora do livro Crimes contra a relação de consumo (Saraiva).
Na sua carreira, quantos júris a senhora já participou?
Como promotora de justiça, participei de cerca de 2.500 júris.
Desses júris, tem alguns que lhe marcaram? Poderia citá-los?
Um deles foi o caso de uma moça com 16 anos na época, que faleceu em virtude de um caseiro que a estuprou e depois a matou. Isso aconteceu no bairro do Morumbi. Foi um dos júris mais tristes que eu fiz. Por conta da presença dos pais, dos avós da moça. A vida que se perdeu por causa de um indivíduo que se dizia apaixonado e não era correspondido. O caseiro foi condenado. Outro que marcou muito a minha carreira foi um rapaz que matou os pais na Rua da Graça, no Bom Retiro. Na época, foi um júri muito difícil, apesar dele ter confessado o duplo homicídio. Ele era filho único e esse tipo de situação leva a gente a pensar o que leva um sujeito a praticar um crime desses? Teve uma grande repercussão e ficou conhecido como o “Crime da Rua da Graça”. Os que envolvem crianças são terríveis.
Como a senhora faz para conviver com essa carga emocional?
A carga emocional de um júri é muito grande e é preciso que você tenha controle, mas às vezes não dá! Por mais que você saiba que isso faz parte do seu trabalho, você chega em casa e só quer descansar. Ninguém sai indiferente e impunemente dessa história. Leva um tempo para você se refazer.
Como promotora de justiça seu trabalho é condenar?
Nem sempre. Às vezes você chega ao tribunal do júri e não tem a firmeza da condenação. Nesse caso, é dever do promotor de justiça pedir a absolvição do acusado. Nós, promotores de justiça, não podemos tornar o criminoso nosso desafeto pessoal, porque não gostamos do jeito dele, do advogado dele ou coisas assim. Nosso trabalho é formal e legalista. Com um bom nível de maturidade, pode-se chegar naquilo que se pretende, que é fazer justiça.
Recentemente, o julgamento de Mizael Bispo dos Santos, acusado e condenado de ter matado a jovem Mércia Nakashima, foi televisionado. O que a senhora achou disso?
Acho que isso aproxima a população da justiça. Nesse caso o acusado não tinha nada a perder com a transmissão do julgamento. Mizael até tem um livro escrito. Está de parabéns o juiz Leandro Cano. É o que acontece realmente no tribunal do júri. Essa transmissão tem um fator educativo. Quem viu entendeu a grandeza do plenário do júri e serve para educar a população que, se um de nós cometer um homicídio, estamos sujeitos àquele tipo de julgamento. É uma forma de mostrar que, para ser jurado, não se exige um preparo especial. No caso desse julgamento, os jurados foram escolhidos dentre a população de Guarulhos, onde o crime aconteceu. No caso, também recente, do julgamento de Gil Rugai, os jurados foram escolhidos entre os moradores da Zona Oeste, onde o crime ocorreu.
Que avaliação a senhora faz da justiça brasileira?
Nós temos justiça. O que nós precisamos é ter leis melhores. E para mudar isso, dependemos do Congresso Nacional. Eu acho que nas últimas eleições tivemos grandes ganhos com o pessoal novo que entrou lá. O brasileiro deveria se preocupar com coisas mais sérias. Por que a gente não vê a população sair em passeata para modificar o Código Penal? Quando os pais de vítimas de violência saem para as ruas, eles nunca são acompanhados por um grande número de pessoas. Não que eu não ache legal outros tipos de manifestação pública. Mas no caso dos parentes de vítimas de violência não se consegue reunir um número significativo de pessoas nas manifestações. Acho que há uma grande massa alheia. A responsabilidade também é nossa como eleitores. Além disso, os deputados têm de atender às determinações dos partidos. O deputado muitas vezes precisa votar de acordo com o partido e isso é lamentável.
E qual é a sua opinião sobre o presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Joaquim Barbosa?
Acho fantástico. Pela primeira vez o judiciário dá uma resposta à altura dos outros poderes. Porque o Judiciário sempre se coloca como um poder contido, mais equilibrado, como deve ser, mas não deve deixar de emitir sua opinião em relação à sociedade. E a resposta dele em relação ao julgamento do Mensalão é exemplar. Acho que antes disso, mais da metade da população brasileira não sabia o que é Supremo Tribunal Federal.Uma pessoa é condenada a 30 anos de reclusão mas em seis anos consegue liberdade. Não passa a sensação de que o crime compensa?Claro. Sou contra a pena de morte. Sou a favor da prisão perpétua para aqueles que não têm condições de reabilitação. Não tem condições de viver em sociedade? Vai viver de uma forma de cerceamento de liberdade para sempre. Sem direito a reavaliação da pena. E esse preso precisa pagar para poder levar a vida dentro da cadeia. Ele é cozinheiro? Vai cozinhar para ter direito a lençol limpo, TV, livros etc. É assim que funciona nos outros países. Aqui no Brasil, achamos que o preso é um problema do Estado e cabe a ele sustentá-lo. O Estado, sem dúvida nenhuma, deve garantir sua dignidade, mesmo que preso. Isso eu concordo. Mas a dignidade passa pelo trabalho.
Qual é a sua opinião sobre as polícias?
A polícia é muito maltratada. Nós temos homens brilhantes nas duas polícias, civil e militar. Mas a carreira policial tem de ser modificada.
Em quê?
No aspecto salarial, que é vergonhoso, eles precisam ter plano de carreira. Quando alguém do Executivo não gosta de determinado policial, seja lá qual for o motivo, transfere ou troca esse policial. Um exemplo: um delegado de bairro, que conhece os problemas da região, a comunidade. Mas por alguma razão ele, de um dia para o outro, pode ser transferido para outro bairro qualquer. Isso pode acontecer por razões políticas. A polícia não pode ser politizada. Ela precisa ter plano de carreira como acontece na Magistratura e no Ministério Público. A mesma coisa acontece com os comandantes do Comando de Policiamento de Área da PM. Quem é amigo do rei vai para o batalhão “x” ou “y”. Isso desestimula o policial. É preciso ter plano de carreira para o policial civil e militar. O policial que conhece sua área pode fazer melhor o trabalho de inteligência.
Na invasão dos alunos da USP, em 2011, a senhora denunciou os estudantes. Por quê?
Denunciei 72 pessoas, nem todos são alunos da USP, por crimes de formação de quadrilha, crime de dano qualificado ao patrimônio público por três vezes, porte de explosivos e pichação.
Como anda esse processo atualmente?
Atualmente eu não sei. Ele saiu da minha competência e foi para o Fórum Central da Barra Funda. A formação de quadrilha é apenada com reclusão. Ainda não está nada definido. Todos eles têm direito à defesa. O juiz precisa aceitar a denúncia…
Muita gente a criticou por isso?
Sim, principalmente por formação de quadrilha. Eu agi como determina a lei. Eles já haviam recebido uma ordem judicial para desocupar a reitoria da USP e não saíram. Na medida em que continuaram cometendo delito doloso, sabiam o que estavam fazendo. Continuaram a armazenar produtos que poderiam provocar uma explosão. Isso tudo está nos autos. Eles continuaram a cometer um crime e de forma consciente. E se três pessoas ou mais se juntam para cometer um crime, é quadrilha.
As críticas e a reação das pessoas foram muito agressivas?
Sofri muitas ameaças. Mas graças a Deus, todas elucidadas. E não é valentia, hein? Eu acho que quem é promotor de justiça que não conhece seu trabalho não deve exercer a profissão. As pessoas precisam saber que o promotor é um número e faz exatamente o que a lei manda. Não é a pessoa, é a lei. Não existe meio promotor de justiça. Existem, sim, circunstâncias que às vezes diferem a forma de olhar um caso e outro.
Até criaram falsos perfis seus nas redes sociais.
E não achei graça alguma. As críticas não me preocuparam e sim o nível de alguns desses ataques. Eu respeito, sem dúvida, as manifestações políticas. Elas fazem parte da democracia. Mas teve gente que xingou minha mãe… E o que me deixou preocupada foi o baixo nível de algumas críticas que recebi. É óbvio que no momento em que as críticas passam a ser ofensivas a sua honra pessoal, é preciso que quem ofende responda por isso.
É preciso ter um olhar diferenciado para cada situação?
Dou um exemplo: os crimes de maus tratos. Existem mães que não têm condições de criar seus filhos, por falta de condições financeiras e até de conhecimento. Alguém denuncia, o Conselho Tutelar vai e verifica que as crianças estão abandonadas. Existem as mães que deixam as crianças trancadas para trabalhar e há aquelas que trancam os filhos para ir ao baile. Tem diferença entre uma e outra. Não podemos generalizar. É preciso ter uma visão sociológica.
Seu livro Crimes contra a relação de consumo, do que trata?
Ele trata da parte penal das relações de consumo. Atualmente, está esgotado e será relançado em breve.
Por ser moradora da região há um bom tempo, o que acha daqui?
Uso o bairro para tudo. Meus filhos moram na região, eu só faço compras nas lojas daqui. Desde roupas e sapatos até padaria e cabeleireiros. Apesar da verticalização, que tende a ficar pior, gosto daqui. É agradável, central, as pessoas que a gente convive são educadas e tenho um convívio legal, estou há 44 anos na região. Ainda se consegue conhecer as pessoas.
Fora do trabalho o que faz?
Faço pintura de cerâmica e adoro ver TV. Gosto de novela mas detesto filmes policiais do tipo Law & Order, CSI. Abomino filmes de violência. Vejo alguns desses programas onde mostram a polícia atuando nas cidades. Gosto de humor e comédias românticas.