Clemildo Pinto da Rocha faz parte, há mais de 23 anos, da equipe cenotécnica do Teatro Tuca, da PUC-SP, em Perdizes.
Carioca, botafoguense e radicado em São Paulo há mais de três décadas, ele sempre esteve ligado à cenografia. Sua experiência o levou ao cinema e à publicidade, mas é no teatro que se realiza. Aqui ele conta um pouco da sua profissão e experiência de vida, e do que viu nestes anos todos, no auge dos seus 77 anos de vida bem vividos e disposto a trabalhar por mais alguns anos – “enquanto tiver saúde e disposição”, diz.
Quando você começou a trabalhar com cenários?
Desde jovem trabalho com cenários. Foi no Rio de Janeiro, e cheguei até aqui sempre na função. Comecei trabalhando com cenários nos bailes Vermelho-e-Preto, no Flamengo. E dali fui trabalhando em teatros, clubes e na TV no Rio. Até que um dia me convidaram para vir trabalhar em São Paulo. Isso faz uns trinta anos.
Como foi a experiência na TV?
Na época, no Rio, trabalhei em teatros e um breve período na TV Globo. E quando o mercado do Rio não estava com muito trabalho, recebi um convite para vir pra cá e não pensei duas vezes. Mas, quando cheguei, passei alguns apuros.
Quais foram seus primeiros trabalhos?
Trabalhei fazendo cenários em diversos teatros, em publicidade e até no cinema. O diretor Hector Babenco me convidou e fui trabalhar no longa-metragem Nos Campos do Senhor. O filme foi rodado no Pantanal e na Amazônia. Ficamos uns meses vivendo naquele cenário de selva, natural. Foi uma experiência muito interessante. Fiz outros filmes, mas não lembro os nomes. Fazia cenários e montava para rodar as cenas.
E como chegou ao teatro da PUC?
Vim para fazer os cenários da ópera Parsifal (do compositor alemão Richard Wagner) por uma companhia. O pessoal viu meu trabalho e me convidou para trabalhar na PUC. Aceitei na hora. E agradeço ao pessoal daqui. Uma dessas pessoas que acreditaram em mim foi o Sérgio Rezende, gerente administrativo do Tuca.
Quantas pessoas têm na sua equipe?
Somos oito profissionais e muito unidos. Todo mundo ajuda todo mundo.
O que faz a cenotécnica?
Construímos os cenários de acordo com o projeto do cenógrafo e o montamos no palco, de acordo com as instruções da produção e do diretor. Quando o Tuca tem vários espetáculos ao mesmo tempo, montamos e desmontamos os cenários. Boa parte dos espetáculos que são encenados no Tuca chega pronto. Tempos atrás, os cenários eram maiores e mais sofisticados. Hoje são mais simples e práticos de montar e desmontar.
Neste mês, o Tuca tem dois espetáculos na semana, certo?
Sim. Quinta é dia de Improvável, que tem um cenário mais simples. De sexta a domingo, até o final do mês, está em cartaz a peça Aos Nossos Filhos, com a atriz portuguesa Maria de Medeiros e a Laura Castro, que também é autora do texto. O cenário delas é mais pesadinho e dá um certo trabalho. Mas isso faz parte do trabalho e a gente dá conta do recado, sem problemas.
Você gosta de saber que o cenário tem a sua participação?
É muito legal ver o público admirando o trabalho dos atores e o nosso, é claro.
Tem algum ator, atriz ou diretor que você lembra em particular?
Cada um fica na sua. Nós fazemos nosso trabalho e eles o deles. Tem gente mais comunicativa, e isso é bacana, e outros são mais na deles. Não tenho reclamação de ninguém, pra falar a verdade. Nós sempre nos esforçamos pra atender aos pedidos deles. Lembro com carinho de atrizes como Denise Fraga, Cristiane Torloni, e atores como Fábio Assunção e Tiago Lacerda, que estiveram por aqui este ano. Me dou bem com todos eles, felizmente.
Alguma peça deixou saudades?
Foram várias peças que eu trabalhei. Uma delas foi a peça Salão de Baile, um espetáculo de dança que tenho uma boa lembrança. Eram diversos casais dançando no palco. Muito bonito.
É verdade que tem fantasma no teatro?
Tem gente que disse que viu um padre passar por aí. Eu acho que é tudo folclore. Passei noites e noites trabalhando e nunca vi nada diferente. Uns dizem que um dos fantasmas era um reitor da PUC que, quando morreu, foi velado aqui no teatro.
O senhor já deixou de ser carioca?
Nada disso. Tenho casa aqui e lá no Rio, onde fico quando vou visitar a família.
Algum filho seguiu sua carreira?
Dos meus seis filhos, um deles, o Marcelo Santos da Rocha, aprendeu a trabalhar aqui comigo no Tuca, mas hoje trabalha em outros teatros. É um bom garoto e trabalha direitinho. Os netos, que são oito, e os quatro bisnetos ainda são jovens.
É bom trabalhar na PUC?
É uma casa maravilhosa. Tem colegas bacanas e os chefes são boa gente, todo mundo vive em harmonia.
Você já morou por aqui? O que curte?
Quando cheguei, morei na rua Alves Guimarães. Já era casado com a Maria Augusta, que ficou no Rio enquanto eu me acertava por aqui. Depois, ela veio. Mas já faz anos que moro em Taboão da Serra. Almoço e lancho muito aqui no refeitório da PUC, mas também frequento a Padaria Elite, onde lancho de vez em quando. A capela da PUC é uma das coisas bonitas. Ela foi até cenário de novela da Globo, pouca gente lembra.
O que você faz nas horas de lazer?
Hoje, depois de ter ficado viúvo, minha vida se resume a trabalhar aqui no Tuca e voltar pra casa. Lá, como os vizinhos sabem que tenho habilidade com madeira, sempre tem alguém pedindo pra fazer uma coisa ou outra e, sempre que posso, ajudo.
Sua vida daria uma peça de teatro?
Acho que dá pelo menos um monólogo. Eu deveria ter escrito alguma coisa desde o início. Teve um pouco de tudo, coisas engraçadas que aconteceram aqui no teatro, aventuras na selva…