O livreiro que|veio do sertão

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O dono da livraria e editora Cortez

José Xavier Cortez é o
diretor-presidente da Editora e Livraria Cortez, que acaba de chegar
“aos seus primeiros 30 anos”. A história desse potiguar de Currais
Novos é um exemplo de persistência e de luta. Camponês, marinheiro,
lavador de carros, cursou economia na PUC e criou com a esposa Potira
uma livraria e editora que já ultrapassou a marca de mil títulos
publicados na área de humanas e também em títulos infanto-juvenis. É
cidadão paulistano desde 2005. No início de março, uma cerimônia, no
teatro da PUC, marcou as três décadas da livraria e foi o palco da
estreia do documentário “O semeador de livros”, que narra a saga de
Cortez como é mais conhecido. Nesta entrevista, ele conta um pouco de
sua história pessoal e de editor de livros.

Conte um pouco de como era sua vida em Currais Novos.
Minha
mãe teve 17 filhos e sobraram 10. Eu sou o primeiro deles. Vivi até os
17 anos em Currais Novos no sítio dos meus pais. Lá, plantávamos
algodão, feijão, arroz, batata-doce e uma pequena criação de vaca e
boi, de bode, ovelha e carneiro. Era uma propriedade pequena que meu
pai recebeu de herança.

O sítio ainda é da sua família?
Depois
da morte de meus pais, nós, os filhos, mantivemos a casa e, a cada dois
anos, fazemos a Bienal da Família lá. Hoje, somos 105 pessoas. A
próxima bienal será em julho. Isso é bom, e faz com que todas as
pessoas da família se conheçam. É bom para a gente não esquecer as
nossas raízes.

Como foi a carreira na Marinha?
Me
alistei em Natal (RN). Depois fiz a Escola de Aprendizes e Marinheiros
em Recife e depois fui para o Rio de Janeiro. Fiquei de janeiro de 1956
a dezembro de 1964.

Você serviu em que navios?
Servi
no contra-torpedeiro Marcílio Dias, onde servi quase dois anos. E cinco
anos no cruzador Almirante Barroso, que na época era o maior navio da
armada.

A experiência na Marinha foi boa? Viajou muito?
Estive
na Espanha, em Portugal, no Uruguai e na Argentina. Além de viajar pela
costa brasileira, é claro. A Marinha foi muito importante na minha
vida. Mas por outro lado, ela me castigou também. A minha expulsão é
algo que eu considero injusto.

Como foi isso?
O
estopim foi a criação de uma Associação dos Marinheiros e dos
Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB). Nós fundamos a associação em 1962
com o objetivo de lutar por algumas coisas que considerávamos que
precisavam mudar dentro da armada. Éramos punidos, humilhados,
maltratados, enfim, existiam várias situações que eu diria desumanas e
isso nos levou a fundar essa associação para lutar por alguns direitos.

A Marinha apoiava a associação?
Ela nunca reconheceu
a associação. Uma parte dos oficiais queria que as coisas continuassem
como sempre foi, uma quase escravidão. Aliás, em 2010, completam 100
anos da Revolta da Chibata, que foi liderada pelo marinheiro João
Cândido. Naquele tempo, os marinheiros apanhavam de chibata.

Não era fácil ser marinheiro…
O
regulamento era severo e até desumano. Nós, marinheiros, não tínhamos
direito a praticamente nada. Alguns oficiais eram jovens e nos tratavam
mal. Nós queríamos mudar. Não era possível mudar dentro do regulamento
da Marinha. A associação era uma necessidade e eu fui o sócio nº 19.

Como foi a sua expulsão? E qual foi o motivo?
A
diretoria foi expulsa em um primeiro momento. Eu servia no Barroso
nessa época. Eu e vários colegas ficamos até dezembro de 1964 no
quartel respondendo a processo militar. Fui expulso por ficar solidário
aos colegas da diretoria que foram presos.

Mas você ficou magoado com a Marinha?
Ainda carrego coisas que aprendi lá. Não é a Marinha a culpada. Tinham também oficiais que eram humanos e gente como a gente.

Após a saída da Marinha, você não quis ficar no Rio?
Nos
anos seguintes, 1964, 1965, a situação estava ruim e havia muito
desemprego. Eu não conseguia trabalho em navios da marinha mercante
porque minha ficha da Marinha de Guerra estava “suja”. Aí resolvi vir
para São Paulo.

Aqui você começou do zero?
Comecei do
zero. Aqui eu tinha um parente e fiquei na casa dele uns dois meses.
Depois arrumei um trabalho num estacionamento, lavando carro, depois
aprendi a dirigir e também manobrava os carros.

E como você veio estudar economia na PUC?
Saí
de Currais Novos para ajudar meus pais e meus irmãos. Os últimos anos
na Marinha me desencantaram e percebi que precisava fazer alguma outra
coisa. Via os colegas que estudavam e faziam faculdade. Na Marinha, eu
ocupava parte do tempo lendo. Estudava Geografia, História e outras
matérias para passar nos cursos. Me interessei pela leitura e percebi,
também, que eu poderia ficar melhor e precisava ler.

Com o salário de lavador de carros e manobrista dava para pagar a faculdade?
Morava num quartinho no estacionamento e não pagava aluguel, e tinha bolsa na PUC, mas era apertado.

O curso de economia foi fácil? Você conseguia conciliar o estudo com o trabalho?
Era
difícil porque eu tinha e tenho uma deficiência em cultura geral. Isso
me fez e me faz uma falta muito grande. Também tive dificuldade no
curso de técnico em contabilidade que fiz no Rio de Janeiro, como no
curso de economia aqui na PUC. Os professores eram eficientes. Eu é que
era um aluno fraco. Acho que não seria um bom economista.

Que lembranças você tem das invasões na PUC?
A repressão era grande e tinha muita confusão. Em uma delas, teve gente que acabou se refugiando dentro da minha livraria.

Como começou sua carreira de livreiro?
Nos
intervalos das aulas, eu expunha os livros no pátio e vendia para os
colegas da PUC. Quando vi que ganhava mais vendendo livros, deixei o
outro emprego. Com o tempo, fui ficando conhecido, o negócio foi
crescendo e a livraria foi uma consequência.

E a editora?
Comecei
com um sócio. Depois ficamos eu e a minha mulher Potira. Felizmente,
tive o apoio de muitos professores da PUC que editaram seus livros pela
Cortez.

O livro “Metodologia da Pesquisa Científica”, do
professor Antonio Joaquim Severino foi o primeiro e ainda é o maior
best-seller da Cortez?

Realmente o livro já passou da 23ª edição e é que mais vendemos até hoje.

A entrada no segmento infanto-juvenil, como aconteceu?
Quando
li o livro “Sebastiana Severina”, de André Neves, resolvi que a Cortez
tinha que atuar nesse segmento. E para incentivar a leitura das
crianças, promovemos aqui na livraria sessões de contação de histórias.

Os brasileiros estão lendo mais?
Em relação a outros países, o Brasil ainda lê pouco. Mas estamos crescendo.

As pequenas livrarias ainda continuarão a existir?
Sem dúvida. Elas são importantíssimas para o mercado e para o país.

Novidades como o Kindle vão acabar com os livros impressos?
Nós estamos nos preparando para isso. Mas acho que o livro em papel ainda vai durar muito.

Sua esposa, Potira (morta em 2009,) também teve um papel muito importante na sua história…
Sem dúvida. Pena que ela não pôde ver a festa dos nossos primeiros 30 anos…

O que você faz quando não está trabalhando?
Pela
manhã, faço ginástica no Parque da Água Branca. Nos finais de semana,
vou aos bailes de forró. Não saio muito depois que fiquei viúvo. Sempre
estou aqui na editora, viajando a trabalho ou participando de eventos
ligados aos livros.

Como foi o assalto na livraria em 2005?
Eram
dois homens e queriam dinheiro. Um deles, era também nordestino e tinha
três filhos. Disse que estava roubando por falta de oportunidade. Falei
que editava livros que tratavam de problema que ele vivia e coisa e
tal. Resolvi oferecer livros para os filhos dele. Ele aceitou e pedi
para uma funcionária encher a sacola com livros para as crianças.

Eles foram capturados?
Não. Mas eu gostaria de saber como foi que os filhos dele receberam os livros. Se isso mudou a vida dele…

Na
festa de 30 anos da Cortez, foi lançado um vídeo sobre sua vida. E vem
aí duas biografias, para adultos e crianças. Como isso aconteceu?

O
diretor Wagner Bezerra e as escritoras Silmara Casadei e Teresa Sales
pediram para filmar e escrever sobre a minha vida. O documentário eu
vi, os livros, só vou ver no lançamento, em maio.

www.cortezeditora.com.br

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