Sobre música e política

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Músicas marcam época, momentos vividos, situações… Não há quem não tenha aquela música preferida, guardada no fundo da alma. A música também tem relação com a política: o protesto presente especialmente nas letras do cancioneiro popular demonstra o que foi vivido em determinadas épocas, como a Ditadura Militar ou o governo Juscelino Kubitschek. Isto é o que mostra o professor e sociólogo Waldenyr Caldas, que acaba de lançar o livro “A Cultura Político-Musical Brasileira”, pela Musa Editora. Waldenyr percorre a história política do Brasil, do período colonial até a ditadura, usando a música popular como suporte para suas análises.
Este é o 13º livro escrito pelo sociólogo, pesquisador, doutor e diretor da Escola de Comunicação de Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), de 2001 a 2005.

Qual a relação entre a música brasileira e a política?
Primeiramente, eu considero esse livro, se não for o melhor, um dos três melhores que escrevi. Com certeza, foi o que me deu mais prazer em fazer. Como professores, durante muito tempo, temos que nos preocupar com uma carreira acadêmica. Depois que terminei da graduação ao pós-doutorado, decidi fazer o que me dá prazer: pesquisar a cultura política do Brasil. Sempre gostei de música e percebi que há uma conexão plena, perfeita, entre a música e a política brasileiral. Constatei também, não descobri porque isso já estava aí, que você pode falar sobre a cultura e a política brasileiras através da música popular. Pode-se dar um curso inteiro sobre estes temas com base no cancioneiro da música popular brasileira. Através da canção popular pode-se resgatar toda a história da política e da cultura do nosso País.

A crítica social é uma constante na música brasileira?
Desde a época colonial, ela sempre trouxe, no seu discurso, a crítica social. Desde a época, por exemplo, de Domingos Caldas Barbosa, um grande compositor da época colonial, que fazia os chamados lundus e as modinhas, a música em si, ou seja, não o texto poético, mas a canção, a sonoridade, era um lundu, uma modinha mais européia ou africana. Domingos Caldas Barbosa fazia essas modinhas e ele colocava letra. Nessas letras havia sempre uma crítica à colonização portuguesa. Crítica mostrando que os portugueses mandaram para cá renegados, bandidos, alcoólatras, estupradores… O Brasil era, para Portugal, naquela época, um depósito de tudo que não prestava em Portugal. E Domingos Caldas Barbosa denunciava tudo isso através das modinhas. Os portugueses não deixavam que as músicas dele chegassem até Portugal. Quando chagavam era uma denúncia e alguns portugueses desaprovavam o que o reino estava fazendo com o Brasil. Isso começou na origem da história do Brasil e continuou quando vieram, para cá, os imigrantes italianos, os espanhóis, entre outros. As “canções de protesto” sempre foram uma tônica das modinhas, especialmente da música popular. Quer dizer, não há nenhum período da música brasileira que não tenha música de crítica social, crítica ao governo, às formas como o governo português, no início, e depois o próprio governo brasileiro, tratavam a sociedade.

Isso fica bem claro quando se pensa na época da ditadura…
Com a ditadura isso é claro, mas na época do Juscelino Kubitschek, o Juca Chaves, compositor da década dos anos 1950, 1960, fez diversas composições fazendo uma crítica social ao governo JK. Depois fez crítica ao governo Jânio Quadros, depois ao governo João Goulart e aos governos militares. Depois de Juca Chaves vieram Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gil, enfim, todo esse pessoal que está por aí até hoje.

Como o senhor analisa a posição desses compositores hoje? Por que eles não compõem mais músicas de protesto, de cunho político e social?
Eles não fazem porque não tem mais sentido. Não tem mais ditadura, não tem mais o que contestar. Mesmo assim, a sociedade continua insatifeita com o governo atual. E o Tom Zé, por exemplo, acabou de fazer uma música sobre o governo Lula. E não fica só no Tom Zé. Outros compositores também estão fazendo. Acontece que, hoje, uma canção não tem a mesma repercussão que tinha há 20, 30 anos. Era novidade. Hoje, há um grande número de compositores, cantores e ritmos no Brasil, e os compositores fazem canções de protesto e isso se dilui. Somente os pesquisadores ficam sabendo porque nas emissoras de rádio só se toca música estrangeira, especialmente americana. Ou toca hip-hop. Apesar de que o hip-hop faz uma música de crítica social, mas não tem a mesma força que as canções de antes. Antes era novidade, hoje não é mais.

Mas ainda continua existindo…
Sim, mas não tem a mesma força política que tinha antes.

Quem é o compositor que mais se destaca quanto às críticas políticas, segundo o que pesquisou?
Pela qualidade do trabalho, pelo conteúdo político, pela qualidade da narrativa e o texto poético, disparado na frente, anos luz, Chico Buarque. Não só pela qualidade política do trabalho, mas pelo conteúdo estético também. O Chico fez uma coisa fantástica, que foi unir a qualidade estética à qualidade da denúncia política. Falo isso comovido porque estudei detalhadamente isso e é apaixonante ver o trabalho dele. A gente sente orgulho de que o Chico pertença a este País. Ele fugiu ao lugar-comum. Enquanto os outros só metiam o pau, ele fazia um trabalho de qualidade estética extremamente elaborado e com uma denúncia tão eficaz, tão ferina e tão felina, quanto o Geraldo Vandré, que fez “Para não dizer que não falei das flores”. O Chico fazia com a mesma qualidade e, às vezes, até melhor. E com uma sutileza só comparável ao orvalho caindo de uma planta, como diz o Tom Jobim.

Quanto tempo para realizar essa pesquisa?
Comecei em novembro de 2003 e terminei em setembro de 2005. O trabalho de pesquisa leva a vida inteira porque é um acúmulo de conhecimento que a gente vai adquirindo. E, depois, há um trabalho de pesquisa complementar para sistematizar os dados, compilação, análise e discussão com os colegas. Depois vem a redação. É preciso escrever até se sentir exaurido naquele dia. Dorme, acorda, vai fazer exercício, toma banho e volta a escrever. É uma rotina muito importante e para este tipo de trabalho é preciso ter disciplina. Aquela coisa dos intelectuais românticos do século passado, que morriam tuberculosos, não funciona mais. Hoje, o tempo urge. O tempo numa cidade como São Paulo passa muito mais rápido.

O livro também é didático, conta um pouco da história política?
Sim. A idéia de fazer este livro surgiu das aulas que eu dava sobre cultura brasileira. Eu me empolgava tanto quando dava essas aulas, e os alunos também, que resolvi transformar aquelas aulas em um livro. E o que eu fiz: peguei todas as aulas que eu preparava, fiz uma série de outras leituras, e exatamente aquilo que eu ensinava aos alunos virou o livro. No fundo, esse livro é as aulas escritas que eu dou no curso de cultura brasileira na universidade. É um curso interunidades, do qual participam alunos de várias faculdades e, até mesmo, pessoas da terceira idade. Ao escrever este livro, fiz com dois objetivos: o primeiro, foi dar uma satisfação à universidade, afinal ganho da universidade para ser pesquisador e professor. Então, fiz para dar uma satisfação ao meu trabalho de pesquisa na universidade e fiz também com o profundo prazer de passar para as pessoas o que é um curso dentro da universidade sem aquela coisa maçante de ser só ciência. No livro tem música, tem cultura, tem política e tem ciência.

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