Elas estão por todos os cantos: do jovem roqueiro ao hippie, do surfista à moçada da geração hip hop. A tatuagem virou moda com seus dragões, sereias, corações, anjos, luas e sóis; as mais diversas representações de sentimentos, ideologias, crenças, misticismos ou apenas para deixar o corpo mais bonito. De moda, virou também livro, fruto da inspiração da jornalista e escritora Leusa Araujo, que trouxe para as páginas de “Tatuagem, piercing e outras mensagens do corpo” (editora Cosac Naify), a história dessa arte que há mais de cinco mil anos acompanha o homem.
Paulistana, nascida em 1960 e jornalista desde 1981, Leusa estreou na literatura infanto-juvenil em 1994, com “Agitação à beira-mar”, da coleção Vagalume (editora Ática); em 2005, lançou “A cabeleira de Berenice” (coleção Barco a Vapor, SM Edições). “Tatuagem…” é seu primeiro livro não-ficção para o público jovem, onde faz uma interessante viagem pelo universo da arte corporal, desde a Idade da Pedra, dos índios até as tribos urbanas.
Em sua carreira, Leusa colaborou também como pesquisadora e editora nos livros “Chic”, “Chic Homem” (editora Senac, 1996 e 1998) e Chic[érrimo] (Códex, 2004), de Gloria Kalil; foi redatora do livro “Maquiagem: Duda Molinos” (Editora Senac, 2000), entre outros. Além disso, o conto “A dona de casa não está”, de sua autoria, teve os direitos adquiridos pela Rede Globo de Televisão para futuras produções audiovisuais.
Quem quiser conhecer mais sobre o livro, poderá visitar a exposição na estação Clínicas do Metrô, até 10 de maio. Depois, a exposição será levada para outros cantos da cidade, como a estação Tatuapé e o Largo Treze.
A tatuagem está na moda. Foi esta a inspiração para fazer um livro sobre a sua história?
O livro nasceu a partir do questionamento: virou a moda? Ao virar moda, o que se ganha e o que se perde? Nos últimos dois anos a tatuagem se popularizou muito mais. Como não era nem adepta nem fanática por tatuagem, foi um bom começo perguntar o que aconteceu para que a tatuagem se tornasse uma sensação, saísse da marginalidade. Vê-se todo tipo de pessoas usando. Não é característica apenas de pequenos grupos, nem sinal de transgressão, de rebeldia. Também é, mas não só. Basta andar na Pompéia para ver uma senhora com uma tatuagem na perna puxando o filho pela mão! Resolvi descobrir que trajeto foi este. Percebi que não há tantos livros sobre o assunto. Ficou na marginalidade inclusive no meio editorial. Mesmo as matérias de imprensa eram um alerta: cuidado ao fazer tatuagem. Ou então era muito em cima do modismo. Nunca tinha uma perspectiva histórica. Decidi por este caminho. Também abandonei a idéia de fazer uma história do ponto de vista dos tatuadores e a idéia de fazer um documento de época, com entrevistados. Ouvi várias pessoas, mas quis saber por que a tatuagem foi condenada no Ocidente, por que há este preconceito por tanto tempo. E esse estudo me mostrou que ela tem uma história linda, riquíssima, artística, sofisticada…
Por quê?
São pelo menos mais de cinco mil anos de história da tatuagem, mas com a pesquisa conclui que vem de muito antes. Uma das frases inspiradoras do livro é a de um literato brasileiro, João do Rio. Ele diz que “o primeiro homem, decerto, ao perder o pêlo, descobriu a tatuagem”. Realmente a hipótese é de que o homem utilizou o corpo como veículo de mensagem. Encontramos em várias partes do mundo registros de pessoas que utilizavam a escrita, a tatuagem como mensagem muito clara do status, da posição que ocupava na tribo, regras, tabus, devoções, usando o corpo como suporte dessa linguagem. A tatuagem é a grande atração do livro, mas é muito difícil falar da tatuagem sem falar dos outros adornos como a pintura corporal. É muito difícil saber onde a tatuagem vira pintura corporal e onde a pintura corporal vira tatuagem. Uma sai e a outra não, marca para sempre. E no Ocidente a tatuagem era usada para punir escravos que fugiam, soldados que traiam. Na nossa cultura ela nasce com esse estigma, a marca que fica e que você quer se livrar dela.
Estigmatizada, a tatuagem foi uma arte marginalizada, usada por prisioneiros, desertores, por exemplo. É o que você aborda no capítulo Crime e castigo?
Sim. Era a idéia da tatuagem para o Ocidente. Ela carrega esse do estigma: marca e pune os prisioneiros. E ninguém gosta desse efeito punitivo. Com as expedições marítimas, começa a se ver diversos povos usando tatuagens, os marinheiros começam a trazer essa informação e se vê a valorização da tatuagem na Europa. Alguns nobres começam a se tatuar, vê-se a chegada da tatuagem no circo. Para o Ocidente sempre foi coisa do selvagem, era uma prática bárbara, dolorosa. Até que o americano Samuel O’Reilly descobre o tatuógrafo. A tatuagem passou a ser menos dolorida e pôde ser feita em menos tempo. A máquina também é um divisor de águas, mas a tatuagem continua na marginalidade.
Antes da máquina, como se fazia a tatuagem?
Usava-se artefatos muito pontudos, desde ponta de diamante, principalmente dente de peixe, a lasca do osso… Era um ritual muito doloroso. Mesmo com a máquina, essa prática continua reincidente nas prostitutas, nos marinheiros, nos soldados, que já não tem a conotação marginal, mas que tem a liberdade de sair pelo mundo. Hora as pessoas acham a tatuagem muito bonita, hora é estigmatizada. Mais recentemente, na Segunda Guerra, os nazistas usaram a tatuagem para marcar os judeus. É uma memória muito negativa. Mesmo agora, para uma família judia é difícil aceitar a tatuagem como uma coisa bonita, como uma arte, símbolo de liberalidade. Só mais no final do século 20 que a tatuagem começou a ter uma valorização e uma socialização, saiu da história da guerra e da marginalidade e entrou para a história da beleza de novo, porque ela também foi um acessório de beleza para vários povos. Ela não tinha somente o traço de dor, sacrifício e punição como teve para o Ocidente. Com isso começa a ter uma valorização e tem um outro fator, que eu não entrei no livro, que são as religiões. A maioria das religiões condena a arte corporal, pois, para elas as pessoas não deveriam se preocupar com a exterioridade. Mas a questão do corpo muda. Hoje se tem liberdade para usar o corpo, para mostrar seu corpo, que não é maculado, lapido.
Você acha que por ter virado moda a tatuagem perdeu o sentido?
Não. O sentido também muda com o tempo. É como escolher uma roupa. Cada roupa diz um pouco sobre você. Às vezes a gente tem muita resistência, repugnância, mas sempre existiram as mensagens no corpo, até mesmo se pensar na plástica. Se comparar a cirurgia plástica com a tatuagem, a tatuagem não é nada. Se pegarmos as deformações crânio faciais que temos em outras culturas, vemos que o homem não sossega! O corpo sempre está emitindo sinais. Ele trabalha o corpo culturalmente. Por que tanto o índio quanto o jovem aqui da Pompéia, que vive num mundo cheio de imagens, ainda usam o corpo para se expressarem? Não é à toa que chamamos de tribos urbanas. O homem tem uma necessidade de expressão que não se consegue deter. É preciso olhar para as diversas culturas e procurar entende-las. Não adianta ser a favor ou contra.
O que te chamou mais a atenção na história da tatuagem?
Duas coisas me chamaram especialmente a atenção. Uma delas foi o povo Maori. Na Nova Zelândia há uma riqueza enorme quanto à tatuagem. O povo Maori tem uma tatuagem muito impressionante que é a facial: a tatuagem “moko”. Para muitas culturas a mão, o rosto e o pescoço estão fora da pintura corporal. Para os maoris, o homem cobre todo o rosto quanto mais nobre ele é. A tatuagem tinha uma coisa distintiva de status dentro da tribo, ou do clã. A posição social é dada pela tatuagem também. Quando eles entravam em guerra, cortavam a cabeça do inimigo e colocavam-na em urnas sagradas. No século 19, as cabeças tatuadas dos guerreiros maoris se tornaram objetos cobiçados por colecionadores europeus. Começou, então, o tráfico dessas cabeças, os próprios maoris passaram a troca-las por armas de fogo. Era uma história assustadora e triste, pois eles tatuavam para matar e vender. Quando estava quase fechando o livro, recebi um jornal da Nova Zelândia dizendo que as cabeças começaram a serem devolvidas para o Museu Nacional do País. E percebi como essa história está viva. A outra surpresa foi com o Brasil. Tanto o piercing, quando a perfuração e a tatuagem para algumas tribos indígenas brasileiras são comuns. Dois antropólogos, o francês Claude Lévi-Strauss e Darci Ribeiro, concordam que a beleza dos nossos índios é espantosa. Tem de tudo que eu falei, como identidade, status, curativo, porque há uma série de razões para a tatuagem, e da perfuração, principalmente no ritual de passagem dos nossos índios. Os índios brasileiros não resistem a beleza, eles se adornam com pluma de beija-flor, a arte plumária é riquíssima. Diferentemente dos outros povos, tudo que o índio faz é para criar a beleza. Penso se não é por isso que o brasileiro gosta de se enfeitar tanto. Está no DNA. No nosso DNA há mais características indígenas do que se imaginava. Vi que talvez esteja aí um pouco dessa nossa adesão tão grande da tatuagem. O Brasil deve ser o segundo País com maior número de pessoas tatuadas.
A tatuagem veio para ficar, ou como tudo que é moda, vai passar?
Acho que tem um vai e vem. Do mesmo jeito que teve uma época muito circense, uma época muito underground, agora está popular. O que é preciso observar é a questão da biosegurança. Muitos tatuadores fazem de forma correta, mas ainda há muitas clínicas amadoras. No livro há um capítulo sobre os cuidados ao se fazer uma tatuagem e um detalhe é a tinta. A tinta não pode ser reaproveitada por que o vírus da Hepatite C pode ser transmitido por ela. Não basta usar agulha descartável, a tinta também tem que ser. Pouca gente sabe disso. Quanto à questão da moda, tudo que se populariza demais, que cai no gosto popular, acaba sendo substituído. A minha experiência em moda me mostrou isso. Acontece do cara aficionado em tatuagem, ao ver todo mundo usando, pensar em uma outra coisa diferente. Os que são aficionados vão radicalizar, com práticas também que não são novidades, como o alargamento e as deformações. Mas há o que se chama de moderno primitivo, que é a trupe radical, principalmente do piercing. São grupos que talvez ganhem mais expressão. Também não falei muito sobre escarificação, nem em suspensão. A escarificação é bastante utilizada na África porque ela faz um contraste com a pele do negro. Como o almanaque ele se destina a qualquer idade, não quis incentivar nada que a pessoa pudesse fazer sozinha.