As mil atribulações de final do ano se somam às expectativas do ano que começa. Além de um momento de festas (muitas!), é hora de fazer um balanço pessoal do ano que passou e projetar planos para o próximo ano. Mas esse processo costuma ser desgastante: você se depara com tudo aquilo que não deu certo por falta de empenho, de iniciativa, de tempo, de vontade… São mil as desculpas que se arrumam para justificar seu desempenho. Mas também é hora de comemorar o novo amor, as notas boas da escola, o carro zero-quilômetro.
Tentando desvendar os segredos dos rituais da passagem de ano e os novos sonhos projetados, fomos conversar com a psicóloga Terezinha Michelucci Ribeiro, que atua na área há mais de 25 anos e há nove tem consultório em Perdizes. Acompanhe.
Fim de ano e todo mundo faz “resoluções de Ano Novo”. Por quê?
Penso que é tradição projetar os desejos para o Ano Novo, rever o que se fez e o que ficou por fazer, criar expectativas e esperar mudanças. Embora não seja este o único sentido do Ano Novo, faz parte da nossa cultura esperar que algo melhore com a chegada de um novo ano. As pessoas acabam querendo deixar para trás aquilo que não foi bom e pensar em coisas novas porque um novo ciclo no tempo está iniciando.
Essas coisas efetivamente acontecem? Por quê?
Não acredito nisso, porque se você pensar em termos de mudanças para sua vida, é preciso mudar internamente e isso não depende da data.
Mas colocando no papel a pessoa não interioriza seu desejo?
Acredito nessa força, na energia que as pessoas projetam e colocam nos desejos escritos num papel. A questão é o que fazem com o papel depois que passa a festa, depois que o ano virou e que todas as tradições foram cumpridas. Escrevem-se todos os desejos, guardamos durante o ano ou jogamos no mar… Isso é muito gostoso… Observar as pessoas oferecendo flores ou acendendo velas no mar, usando branco, os sete pulos nas ondas, espumante em copo de cristal… Tudo tem um valor simbólico importante que é preciso preservar, porém não é determinante para promover mudanças na vida de alguém.
Por que as pessoas fazem promessas mil no Ano Novo?
Porque é um recomeço mesmo, inicia-se um novo ciclo com a mudança de nosso ano solar. É o desejo de renovação e todo mundo deseja renovar de alguma for-ma, embora a maioria não se atenha ao que significa mudar, renovar. Existe uma expectativa para o futuro e as pessoas não devem perder a esperança, ela é importante, há que se esperar uma coisa melhor. Mas talvez seja necessário parar e pensar o que de fato promove a mudança, o que faria algo que está por vir mudar ou o que é preciso fazer para mudar o futuro. Isso depende de uma ação de hoje, do agora, e que vem carregada do que já passou. Então só conseguimos mudar efetivamente alguma coisa no Ano Novo se começarmos a mudança agora, se estivermos dispostos a construir um Ano Novo, porque o Ano Novo precisa ser construído individualmente.
É possível fazer isso em qualquer data?
Sim, o dia em que a pessoa se propõe a mudar coisas que a incomodam é o dia de um recomeço, de um novo ano, um novo ciclo. Quanto às comemorações e tradições, a data depende da cultura, da religião, do país. Algumas comemoram em setembro, outras em março, e nós em janeiro. O Ano Novo para nossa cultura é marcado por uma série de mudanças que valem para todos, como o ano financeiro, o ano letivo do calendário escolar, final de campeonatos, etc. Nós nos organizamos a partir de janeiro.
O Brasil, culturalmente, finaliza tudo em dezembro.
Para nós é nessa data: muda o ano letivo, muda a vida de quem estuda. Para os estudantes, passar de uma série para outra é mudança que deve ser levada em conta, da mesma forma se ficou retido. O imposto de renda é feito de janeiro a dezembro, quando finaliza o ano financeiro, por exemplo.
Se eu resolver mudar alguma característica minha em abril, por exemplo, é aí que ela começa internamente?
É isso, o desejo de mudar algo pessoal, de que o seu ano ou a sua vida mude de verdade não depende da data. No momento em que você começar um movimento interno em direção à mudança, vai gerar uma ação no presente, que visa a construção do futuro. Não podemos esquecer que o que acontece no presente é fruto do passado e o futuro será fruto do presente. Uma insatisfação, um desconforto, um mal-estar que leva a um questionamento cria uma expectativa de sair dessa posição. Se não houver uma ação pessoal em cima disso, não será a passagem de 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro que vai mudar alguma coisa.
Isso é individual, mas o coletivo não acaba influenciando?
Sim, de alguma forma, sim. Vivemos inseridos em nossa cultura, existem muitas coisas que não dependem só de nós. Porém, os desejos que as pessoas vão em busca na comemoração do Ano Novo são de caráter pessoal, de que sua vida seja melhor, um futuro promissor… Sempre na expectativa de que consiga realizar aquilo que não realizou.
Mas existem desejos que esbarram num momento maior, como ganhar mais dinheiro, que não depende só de trabalhar muito.
Esta pode ser uma questão de outra ordem: social, política ou do momento em que o país está vivendo. Muitas vezes a pessoa tem potencial para ganhar mais dinheiro, mas não toma a atitude de mudar de emprego, de atividade, de usar sua capacidade e fazer algo novo se o objetivo é ganhar mais dinheiro. É importante um trabalho de análise, de busca interna do que acontece. Lembramos que o que acontece em nossas vidas é de responsabilidade exclusivamente nossa, e precisamos refletir nisso para a promoção de mudanças.
Essa busca interna pode ser feita sozinha ou fica mais fácil com a ajuda de um psicólogo?
O desejo é sempre de ordem singular, só a própria pessoa pode saber o que consegue sozinha, mas se entra ano, sai ano e a vida está na mesma, não consegue sair do lugar, e isso a incomoda, certamente tem algo ali empatando. Nesse caso é importante procurar ajuda./i>
Sobre o consumismo, vemos a juventude querendo ser famosa, casar com jogador de futebol, tudo rápido. Como mudar isso?
Isso é o que a mídia está demandando: chegar na frente, competir com tudo e com todos, consumir tudo o que é possível… Os valores vão ficando para trás para acompanhar a tendência e torna-se difícil de mudar. Mas é um trabalho de estrutura familiar e de como esses valores foram transmitidos, embora saibamos que os adolescentes, durante as passagens de ritos, costumam deixar os valores da família e buscar os próprios, desejam reconhecer-se de outro lugar, buscando sua individualidade. Quando a fase passa e os valores familiares são fortes, espera-se que tudo volte ao lugar. Por outro lado, nos deparamos também com adultos que são os transmissores de valores que estão na onda do consumismo e do tudo rápido, tentando acompanhar tudo.
Como trabalhar as frustrações?
Trata-se de um processo que temos que aprender a lidar. Nós não podemos tudo, não temos tudo. Temos que aprender a renunciar e a lidar com nossas limitações, aceitar o que podemos e trabalhar o que não podemos.
A religião ajuda?
A religião ajuda, independente de qual seja e é estruturante. Se as pessoas não acreditarem em nada, sem uma pontinha de fé, torna-se tudo mais difícil.