Lutando pelos consumidores

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Recentemente o Procon, serviço estadual que desde 1976 defende e faz a conciliação entre consumidores e empresas, completou 35 anos. Esta iniciativa aconteceu primeiro no estado de São Paulo, se disseminou por todo o país e teve reflexos diretos na criação do Código de Defesa do Consumidor, proposto na constituição brasileira de 1988. Quem participou ativamente desde o início e foi seu primeiro diretor-executivo é o engenheiro agrônomo Pérsio de Carvalho Junqueira. Morando em Perdizes desde 1961, Dr. Pérsio conta nesta entrevista a luta que travou para a criação do Procon.

Conte um pouco da sua formação até chegar ao Procon.
Venho de uma família ligada à agricultura e pecuária em Uberaba (MG). Sempre gostei de fazenda e cursei Agronomia em Piracicaba. Em 1959, já formado, fui trabalhar no Instituto de Economia Agrícola na Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. Fiz mestrado em economia agrícola na Universidade de Ohio (EUA).

Sempre esteve ligado ao IEA?
Sim, e lá fiz e publiquei um estudo sobre preços do varejo e do seu impacto na população da periferia. Concluí que a população da periferia sempre pagava mais por produtos que em outras áreas da cidade pagavam menos. Teve um impacto e o então ministro da Fazenda, Delfim Netto, ficou sabendo dele e me convidou para assessorá-lo. Fiquei algum tempo indo e vindo do Rio de Janeiro.

Quando o consumidor entra em sua vida?
Quando o presidente Ernesto Geisel indicou Paulo Egydio Martins (1975-78) para o Governo de São Paulo. O arquiteto Roberto Cerqueira César, que era o secretário dos Negócios Metropolitanos, me chamou para coordenar um grupo de estudos. Foi na época que foram criadas as regiões metropolitanas, entre elas a de São Paulo. Eu era responsável pela a área de abastecimento. O relatório que apresentei concluia que era preciso ter uma política que defendesse o consumidor. Afinal ele era sempre explorado e não tinha quem o defendesse.

O governo se sensibilizou com isso?
Sim. Mas na época eu prestava consultoria para um frigorífico e precisava viajar para a Europa e Estados Unidos. Antes de assumir um cargo na secretária, eu precisava terminar o trabalho para o frigorífico. O secretário aceitou minhas condições e pouco antes de embarcar, me chamou e me deu uma tarefa: saber como funcionava e o que havia em matéria de defesa do consumidor nos outros países. Foram dois meses viajando pela Europa, Estados Unidos e México.

Qual foi o resultado da viagem?
Quando voltei, fiz um relatório do que vi. Relatei como funcionavam, defeitos e qualidades. Concluí precisávamos criar um órgão de defesa do consumidor.

E daí?
O secretário levou o relatório ao governador Egydio Martins que em seguida criou um grupo de trabalho na secretaria de Negócios Metropolitanos afim de organizar um órgão para proteger o consumidor. Eram onze mulheres das mais variadas especialidades, advogadas, sociólogas… No final dos trabalhos, meu relatório apontava que o governo deveria assumir a tarefa. Ele teria estrutura, orçamento e tudo o mais. Isso era 1975.

Do que os consumidores mais reclamavam?
A mídia foi muito importante. Consegui uma entrevista com o Ruy Mesquita, diretor do Jornal da Tarde, e solicitei que ele me desse acesso às cartas que o JT recebia das reclamações dos consumidores. Eram muitas cartas. Entre elas, escolhemos aleatoriamente 100 cartas e a nossa socióloga Ana Lúcia fez uma pesquisa sobre o que os leitores mais reclamavam. Isso ajudou muito. Elaboramos um texto que foi aprovado pelo governador sem mudar uma vírgula. E em 6 de maio de 1979, foi publicado o decreto criando o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, propostos por nós.

Qual foi a repercussão?
No dia seguinte, o publicitário Enio Mainardi publicou na primeira página do Jornal da Tarde uma foto de um sanduíche de hot-dog com uma salsicha podre. O texto dizia: “Finalmente vamos ficar livres disso”. Foi favorável.

Como aconteceu a sua escolha para diretor-executivo?
Durante uns dois meses, finalizamos os trabalhos e neste período o SEPC foi transferido para secretaria de Economia e Planejamento que era comandado pelo arquiteto e urbanista Jorge Wilheim. E acabei sendo convidado para comandá-lo, embora eu quisesse continuar no Instituto de Economia Agrícola. Lá fui eu.

Como surgiu o nome Procon?
Em uma reunião no Palácio dos Bandeirantes entre eu, o secretário Jorge Wilheim e o publicitário Roberto Dualibi, propôs a sigla que foi aceita imediatamente. Takeshi Ushikusa, técnico do órgão, foi quem criou o desenho na cor azul royal, que virou logotipo da instituição.

Onde foi a primeira sede?
No bairro de Higienópolis, na Rua Ceará, 390. Éramos seis funcionários.

A população logo apareceu com suas reclamações?
As queixas eram recebidas por escrito. Dava um trabalhão. Mas eu dizia para o meu pessoal: “Gente, este órgão só vai para frente se mostrarmos competência, seriedade e eficiência e precisamos ganhar a confiança do consumidor”.

Tinha gente contra?
Os maus comerciantes e os maus políticos que queriam nos desacreditar. Até ameaças de morte eu e minha família sofremos por telefone. Você não imagina a dificuldade.

A mídia ajudou?
Recebemos muito apoio, mas vou contar um caso envolvendo a Rede Globo. Certa vez, recebemos a queixa de uma moça que comprou um vestido de noiva em uma loja na Lapa e os juros cobrados pela loja eram abusivos. Um ano depois de casada, com filho no colo, ela foi reclamar no Procon que ela nunca iria conseguir pagar pelo vestido. A notícia chegou até a Rede Globo. Um dia, o jornalista Carlos Monfort foi com a equipe da TV Globo até o Procon e exigiu que eu informasse o nome da loja. Eu me recusei e não dei a informação que ele queria. Nós não iríamos crucificar ninguém. Nosso papel era de conciliação.

A população entendeu logo a missão do Procon?
Fazíamos um trabalho de divulgação do Procon junto às associações de amigos de bairros. Eu e os meus colegas fizemos muitas palestras para explicar como funcionava o Procon. Era trabalho para o dia todo, final de semana.
As empresas mudaram o relacionamento com o consumidor?
Sim, mas posteriormente. E algumas até criaram serviços de atendimento ao consumidor.

Com a iniciativa de São Paulo, outros Procons surgiram no país…
Tenho muito orgulho e muita honra de ter sido convidado para falar do Procon de São Paulo por todo o Brasil. Todo mundo se interessou por aqui. E hoje, todo o país tem o seu Procon. Isso é muito bom e me enche de orgulho. Sem falsa modéstia, é um trabalho nosso.

Porque o Procon virou fundação?
O Maluf, que seria o próximo governador, queria fechá-lo. Com o Dr. Jorge Wilheim, convencemos o governador a criar alguma coisa para evitar que o Maluf acabasse com o Procon por decreto através de uma lei estadual garantindo a existência do Procon. O governador concordou conosco e me incumbiu de ir até a Assembleia Legislativa para convencer os deputados a aprovarem a lei para a manutenção do Procon. Eu, que até então nunca havia colocado os pés na Assembleia de São Paulo, passei meses indo lá diariamente explicar para os deputados o nosso trabalho e a necessidade de criarmos uma lei para garantir a existência do Procon. Tive um apoio muito importante do então deputado Almir Pazianotto, que depois chegou até a ministro do Trabalho. Eu já o conhecia anteriormente e me deu um apoio danado. No dia 29 de dezembro de 1978, foi promulgada a lei criando o Procon. Com ela, o Maluf não tinha como acabar com o Procon. Eu considero essa uma das datas mais importantes para o Procon. Falei disso na festa dos 35 anos do Procon.

E depois do Procon o senhor voltou para o IEA?
No IEA eu representava o estado de São Paulo nas negociações com o Mercosul. Fiquei até 1996 como diretor-geral, quando me aposentei. Chefiava 130 técnicos e 300 funcionários.

O Código de Defesa do Consumidor é um reflexo da atuação do Procon?
Na assembleia constituinte de 1988 foi prevista a criação de uma lei para defender o consumidor. Tempos depois, a Marilena Lazzarini, que trabalhou comigo no IEA, foi diretora do Procon e hoje está no Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), participou de todo o processo.

Temos um bom Código de Defesa do Consumidor?
A relação de consumo melhorou muito depois da criação do Procon e do Código. É uma lei moderna. Pegou no país inteiro. Isso é muito bom. Fico feliz quando vejo o Código do Consumidor exposto em uma loja.

Valeu a pena todo esse trabalho pelo consumidor?
Tenho uma honra profissional, pessoal e familiar de ter participado da criação do Procon. Fisicamente e mentalmente era desgastante, mas foi compensador.

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