Os desafios|da educação

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Seja em revistas, jornais ou na televisão, notícias envolvendo violência na escola têm sido frequentes. E na cabeça de quem acompanha essas histórias, uma pergunta não quer se calar: de quem é a culpa? Seriam os pais que negligenciam os filhos? Ou a escola e os professores? Para debater um pouco sobre o papel da educação nos dias de hoje, conversamos com Branca Jurema Ponci, professora da PUC desde 1977, que atua no programa de pós-graduação em educação-currículo. Formada em filosofia, ela possui pós-graduação, mestrado e doutorado em educação. Ela nos conta sobre o que mudou nas escolas e como os pais devem encarar a educação de seus filhos.

Quais as mudanças mais visíveis que ocorreram entre a educação de antigamente e a educação de hoje?
Não foi a educação que mudou, o mundo mudou. As crianças são produtos – assim como os adultos – do seu mundo. A escola também, como uma instituição que é, também se alterou. Ela tem que se alterar para poder acompanhar tudo isso que se vê hoje. O importante acho que é destacar que na educação em qualquer momento histórico, em qualquer parte da Terra, ela tem que ter como função formar adequadamente o aluno. Mas não é formar apenas para o mercado de trabalho. Isso é o mais divulgado, e é claro que isso é preciso, mas o mais fundamental é que se tenha por trás dessa formação de habilidades para atuar nesse mundo valores éticos, princípios humanos que prezem o outro. E é isso que é o difícil hoje. No mundo se acentuou a competição, o individualismo. E não é porque as pessoas são piores. É que na verdade o mundo se organizou do ponto de vista capitalista acentuando essa competição entre as empresas. A gente precisou chegar a um grau de competitividade e destruição do mundo e das pessoas para que a gente acordasse e dissesse: “espera um pouquinho, vamos conversar que isso não vai bem, vamos assinar os direitos humanos em conjunto”. E me diz a verdade, precisa você assinar um texto mundial dizendo que todos têm direito à vida? Se nós chegamos ao ponto de precisar fazer isso é porque as coisas andavam e andam mal. Não é a escola que é a única responsável por isso.

E a questão da violência?
O mundo em que você tem muita competição, as pessoas são muito pressionadas, ninguém tem mais tempo para reflexão, ao contrário, você só tem que mostrar trabalho. Hoje, durante 24 horas por dia, durante sete dias da semana, você tem sua vida programada. Então nesse mundo, você tem como produto dele a violência. Ela entra nos muros das escolas como entra em todos os cantos. A violência é um produto da acentuação da desigualdade social e da competitividade.

Mas antigamente existia um respeito maior pela figura do professor do que se vê hoje.
O respeito não nasce com a gente, a gente aprende. Ele é uma coisa que se insere. Então, o respeito ao seu pai, ao seu professor, foi uma construção social feita. Hoje, se os meninos estão assim, temos que pensar um pouco no que estamos fazendo para deixá-los dessa forma. E não é a gente individualmente, é o conjunto social, quer dizer, eles não estão aprendendo a respeitar provavelmente porque não são respeitados. Os professores, por outro lado, foram desprestigiados, eles foram abandonados na sua formação. Tudo o que a gente puder fazer na direção de prestigiá-los, formá-los, dar uma possibilidade continuada de formação no dia-a-dia e um respaldo… você pensa em um professor, ele sai da faculdade cheio de sonhos que ele vai educar e encontra crianças e adolescentes muito difíceis. Ele não está suficientemente preparado para lidar com certas situações. Ele tem que ser preparado. A universidade tem esse papel, junto com toda a sociedade e a mídia. Ando muito brava com a mídia porque o destaque que ela dá é à violência. Não vejo destaque às boas iniciativas, aos professores que dão certo, aos alunos… não tem.

A senhora acha que a imagem da escola está um pouco abalada?
Está abalada. E por várias razões: pelo descaso que ela sofreu, pela mídia que só coloca notícias ruins e coisas ruins sobre ela, pela presença forte e pela ilusão de que de repente você pode substituí-la pela tecnologia. Ela precisa ser reforçada.

Mas a tecnologia, se bem aplicada, pode ajudar na educação.
Sim, mas ela não é substitutiva da escola. Ela complementa, ela tem que conversar com a realidade escolar.

E a questão do ensino fundamental público com a educação continuada.
Vamos falar em fracasso escolar ou êxito escolar ao invés de falar em aprovação ou reprovação. O êxito escolar do aluno, do professor, da escola, quando cumpre o seu papel de formar, etc, não é mensurável por número, não é apenas por aí. É muito mais amplo que isso. Há momentos em que você tem que ir com os alunos mais para a frente e poder ir recuperando ao longo do tempo. No meu tempo, quando eu fiz da primeira à antiga quarta série, que se chamava o curso primário, você tinha reprovações mesmo. Você chegava ao final do ano e o aluno ou ia para a nova série ou repetia todos os conteúdos da série. Não demorava muito e esse aluno saía da escola. Porque os problemas continuavam os mesmos fora da escola, na família, na sociedade, etc, e ele ainda passava do mesmo jeito por todos os conteúdos. Isso é desestimulante. Então falar em aprovação e reprovação é muito simplista. É muito mais complexo que isso. E mais, você mensura e compara alunos diferentes. Você comparar alunos de escola privada, de alto padrão, que são bem alimentados, que têm toda uma estrutura em casa, têm tudo à sua disposição, com alunos que não têm nada, que são desprovidos, no mínimo é injusto.

E a questão do bullying? Está em alta a discussão sobre o assunto, mas é algo sempre existiu.
A verdade é que pegamos um conceito norte-americano e colocamos no termo. Vejo uma coisa positiva e negativa em relação a isso. Positiva porque pelo menos falamos disso hoje e discutimos de um jeito, tocamos no assunto. Mas por outro lado, você toma emprestado um conceito norte-americano e aplica aqui. Vamos olhar para a questão da violência – eu prefiro chamar assim – na escola, da escola e para com a escola. Não adianta você falar que o bullying é a ação do aluno ou do professor. É tudo junto. Tem que ser vista como uma prática social dentro da prática social mais ampla. O aluno também sofre influência da escola. Todos os dias ser tratado como inferior, por exemplo, é uma violência. A violência simbólica é dolorida tanto quanto a violência física. O bullying entre os alunos, entre alunos e professores, entre professores, é uma coisa muito ruim.

Mudou muito o papel dos pais na educação com o passar dos anos?
Se você tomar um século como referência, o início do século XX e o início do século XI, por exemplo, claro que ao longo desse tempo muita coisa se alterou. Você tinha pais autoritários, mas pais que dispunham de mais tempo para os filhos. Hoje você tem pais que conversam mais, ou terceirizam a educação dos seus filhos, ou na pior das hipóteses, são totalmente ausentes, ou na melhor das hipóteses aquele pai mais preocupado. Mas você tem um mundo mais preocupado com o filho, com a formação, você tem muita gente de verdade querendo que tudo dê certo – professores, pais, etc. Educar é uma prática social que vai sempre gerar transformação. Não adianta falar em educação totalmente democrática. A educação é democrática mas ela também pede limite. Por isso que o educador – o pai, a mãe, o professor, enfim – tem que ter também uma certa sensibilidade, clareza de princípios, para eventualmente dizer “aqui vou dizer não”, “aqui eu vou dizer que sim”, “aqui a decisão é dele”, ou “aqui a decisão é da família”. Não tem um ideal prescritivo, um modelo. Tem uma coisa que pode nos ajudar muito: é que a gente sempre converse. Pais conversem com outros pais, com educadores, que o debate na sociedade seja amplo sobre o papel da educação.

Mas muitos pais que têm mais condições e podem pagar uma escola para seu filho acabam tratando a escola como um negócio. Se ele está pagando, a escola teria que criar o filho.
Lamentavelmente sim. Hoje, se a gente quiser, a gente pode dizer que tem duas concepções grandes nesse caso. Uma concepção que entende a educação como bem público, como um serviço público. E aquele que vê a educação como mercadoria. Me coloco como cliente, pago a educação, portanto tenho que receber uma boa mercadoria: meu filho deve vir bem educado como eu li no contrato que assinei. Eu não acredito que a educação possa ser mercadoria, dá errado. A educação é um serviço público. Mesmo em uma instituição como a PUC. Ela é paga, mas ela tem o dever de prestar um serviço público. E não é o cliente que dá o tom dela, são seus educadores.

Qual o grande desafio hoje na educação no Brasil?
Formar cidadãos com valores fundamentais como igualdade, liberdade, respeito ao outro.

Qual o alerta que deve ser dado aos pais de hoje?
Conversem, convivam com seus filhos o máximo que puderem. Mesmo a gente sabendo a dificuldade de tempo. Eu fico pensando nessas mães de periferia que saem de manhã e vão fazer seu trabalho o dia todo. Ainda sim, eu proporia que se pense um tempo na hora de fazer a comida e traga a criança, o adolescente e tente dialogar. Não perca o pé do diálogo.

E conviver com a escola também.
Direto! Uma pesquisa muito interessante nossa aqui apontou que as mães de uma creche e as professoras, quando elas desafinam e não dialogam, quem se perde é a criança. Assim como na escola, os professores e os pais têm que estar conversando mais, atuando em conjunto. A criança tem que sentir que em seu mundo infantil que ela tem um mundo adulto responsável por ela.

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