Além da personagem

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Uma das revelações da TV dos últimos anos, Léo Áquilla, nascido Jadson Mendes de Lima, é morador do bairro da Pompeia. Nesta entrevista fala de sua vida e os preconceitos que sofreu e teve que superar. Formado em jornalismo, marketing e com pós-graduação em política, Léo tem opinião sobre tudo e sobre todos os temas. Além de seu trabalho na TV, Léo tem projetos na internet e adianta que em breve estará em um canal de TV aberta fazendo um programa com a sua cara. No Carnaval 2012, será um dos destaques da Mocidade Alegre. Pode-se concordar ou não com ele, mas não nenhuma pergunta fica sem resposta. Confira.
Onde você nasceu?
Sou mineiro de Teófilo Otoni. Cheguei aqui em São Paulo com um ano e fui morar no bairro do Capão Redondo, na zona Sul, onde fui criado. Era uma região muito violenta. Lá perdi um irmão, assassinado com nove tiros em um assalto. Eu, na época com 18 anos, fui apedrejado no bairro por ser homossexual. Aliás, eu apanhei a vida inteira naquele bairro.

Quando você assumiu sua condição sexual?
Eu sempre fui afeminado desde criança. A minha alma sempre foi de menina. E sempre foi muito difícil para eu lutar contra isso. Bancar o homem me agredia. Eu era uma mulher presa dentro de um corpo de homem. Quem quiser acreditar nisso, tudo bem. Quem não quiser, paciência. Meu pai e meu irmão tiveram mais resistência em me aceitar como sou. Fiquei anos sem falar com meu irmão por conta disso. Por outro lado, minha mãe me aceitou como eu sou. Ela só pediu para que eu não colocasse seios e virasse travesti. Aí, foram mais 20 anos trabalhando isso. Me tornar travesti foi a melhor coisa que eu fiz na vida. Mostrei para os meus pais e para meu irmão que travesti não precisa se prostituir. Hoje, meus pais me amam. Isso tudo superou as minhas expectativas. O que eu não queria era agredir aos meus pais.

E como você superou tudo isso?
Eu sabia que o tempo iria mostrar para eles que antes de ser gay, eu poderia muitas outras coisas boas. Um bom aluno, um bom filho, um bom empregado, uma pessoa digna e honesta. E foi exatamente isso que eu fiz. Enquanto eles esbravejavam, o meu silencio dizia muito mais. O tempo mostrou que eu era uma pessoa decente. Fiz minha família sentir que a gente sente a mesma coisa e sentimos necessidades fisiológicas, carência, ódio. Afinal, sou igual a todo mundo.

Ter se formado em jornalismo e marketing e ter pós-graduação em política ajudou a ter esse respeito?
Fui muito além. Quando você se assume homossexual, você tem que provar que é muito melhor do que você possa ser. Vou dar um exemplo. Ninguém na minha família, mesmo por razões financeiras porque éramos muito pobres, conseguiu terminar o 3o colegial. Sou formado em jornalismo e marketing pela Faculdade Anhembi-Morumbi, e fiz pós em política na PUC. E vou fazer mestrado em teologia. Eu preciso ter uma bagagem intelectual. E como sou espírita kardecista e acredito nisso, quando eu voltar, isso vai valer alguma coisa. Eu estou plantando para uma próxima vida.

E o nome Léo Áquilla. Qual é a origem?
Léo vem de infância. Eu era pequeno, muito loirinho e tinha o cabelo cacheado. Por ser muito branquinho, a minha avó materna, me chamava de Alemão. E não sei explicar a razão, mas de Alemão passaram a me chamar de Léo e acabou ficando. Tem gente da minha família que nem sonha que meu nome é Jadson. Eu não queria perder esse nome que tem uma identidade e é um apelido carinhoso que vem da infância. Primeiro eu usei o nome Léo Lima. Depois achei que ficou sem personalidade. Aí, um dia, eu estava assistindo ao filme Feitiço de Áquila que tem tudo a ver comigo. O filme tem todas essas transformações que eu faço, essas personagens que eu crio. Aí eu achei o que eu queria, Léo Áquilla.

Quantas cirurgias plásticas você já se sumeteu?
Fiz várias. As cirurgias tornaram a minha vida muita mais prática. Hoje, uso menos maquiagem. Com a minha sobrancelha, por exemplo, aconteceu isso. Fiz até agora dez cirurgias. E vou fazer outras. Tudo o que eu puder fazer para ficar bonita eu vou fazer. Fiz todo o rosto e outras partes. Vou colocar prótese nos glúteos…

Você tem dois filhos. Como é a convivência com eles?
Tenho dois filhos, um biológico com quinze anos e outro adotado com quatorze. Sempre tive vontade de ter um filho, porque não quero morrer sozinha. Meu filho foi concebido naturalmente, graças a uma amiga que era apaixonada por mim e que sabia da minha vontade de ter um filho. Ela topou e nós temos um filho que me adora. Adotei outro menino para que eles crescessem juntos. Eles moram com os meus pais porque trabalho e viajo muito. Mas sempre estamos juntos e meus filhos me chamam de pai. Sou um pai de peito, mas sou pai deles. E não é todo mundo que tem um pai maravilhoso como eu (risos).

É verdade que você vendeu um apartamento para produzir um show no Palace?
Em 1999, eu vendi um apartamento que tinha e aluguei o Palace, que era a melhor casa de show de São Paulo na época. Lá apresentei o musical Feitiço de Áquilla. Era eu e mais 25 bailarinos. Fiz o figurino, a criação do show. A direção foi do Celso Prado. O que eu queria era chamar a atenção da mídia. Eu já trabalhava em boates e fazia meus shows. Mas eu queria mais. Eu tinha duas opções. Eu mantinha o apartamento e continuava a fazer os meus shows, ganhava pouco e não saia disso ou então arriscava para me tornar conhecida. Eu gastei todo dinheiro em um dia só. Deu certo. No dia seguinte eu estava em várias capas de jornais e revistas e daí em diante fui convidada para participar de programas de TV. Fiquei conhecida como queria.

E como você entrou na TV e virou repórter?
A partir do show no Palace fui convidada para ir ao programa do Luciano Huck e outros da época. Na RedeTV!, fui quando quem apresentava era a Adriane Galisteu. E como tenho opinião e sou boca dura, participava sempre! Quando a Monique Evans estreou o programa Noite Afora eu convenci a Monica Pimentel, que era diretora do programa e hoje é superintendente da emissora, a fazer uma drag-repórter. Fiquei dois anos no ar e criei muitos quadros que fizeram sucesso. Eu me divertia muito. Não fiz curso nem nada. Sou autodidata e fiz tudo na cara e coragem.

Fez cinema também…
Participei do filme Falsa Loura, do diretor Carlos Reichenbach, em 2006. Quem fez a loura foi a Rosana Mulholland e Cauã Raymond também estava no elenco.
 
Tem quantos CDs gravados?
Até agora tenho três.

Você ainda faz shows?
É o que me sustenta. A TV divulga você mas não rende muito. Faço shows por todo o Brasil o tempo todo. É tudo criação minha. Eu planejo, dirijo e atuo.

E o Showrnalismo na internet?
O nome veio do livro do Jose Arbex Junior que é o meu professor e eu sou apaixonada por ele. Ele é a minha referência para tudo. Na minha opinião, é o cara mais inteligente do Brasil. Fiquei apaixonada pelo livro e aproveitei o nome do livro e coloquei no meu programa na internet. Além de apresentar, roteirizo e apresento. Criei o programa porque como jornalista eu não quero ficar só no entretenimento. Precisa ter um humor inteligente e informação. E isso a TV não me deixa fazer. Gravo meus programas no estúdio que construí na casa dos meus pais. E com menos de dois meses no ar, tenho mais de 500 mil acessos. No Showrnalismo eu posso fazer o que ainda não fiz na TV. O portal UOL me contratou e o Showrnalismo vai ser veiculado no UOL. Ainda não estreou. Além disso, vou apresentar um programa no UOL. Vou ser a primeira transexual a assumir uma bancada na TV pela internet. Vou ser a Fátima Bernardes da internet (risos).
E na TV, quais os planos? Continua no SBT?
Estou no SBT mas o Silvio me quer como atração e tem dado audiência. No SBT, participo também do Esquadrão do Amor. Não posso dar mais informações mas acabo de receber uma proposta de uma emissora e em abril vou apresentar um programa.

O que você acha do Crô da novela Fina Estampa?
O gay Crô que o Marcelo Serrado faz não condiz com a realidade. Mas há um debate na comunidade gay que o personagem estereotipa demais. Eu não acho. O que acontece é que a sociedade fica achando que gay é aquilo.

E a política? Como entrou na sua vida?
Temos poucos representantes. O ex-BBB Jean Willis é um representante legítimo da comunidade gay. Já me candidatei três vezes. Duas para deputado estadual e uma vez para vereador. Tive boa votação, mas não foi o suficiente para me eleger. Hoje sou filiada ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).

Gay vota em gay?
Somos uma comunidade muito desunida. Quando fiz campanha, todo mundo prometeu votar em mim. Tem as lésbicas que não aceitam os gays masculinos que por sua vez não aceitam os gays que tem peitos e por aí vai. Se nós fossemos unidos, eu teria sido eleito. Os gays são desunidos e despolitizados. Eu gostaria que a comunidade percebesse que é melhor um Léo Áquilla no congresso do que um Jair Bolsonaro que está destruindo a nossa reputação. Ele usou a comunidade gay para subir e nos usou como escada. Gay tem o complexo de vira-lata. Vive na órbita de um hetero e quando precisa de um projeto põe uma pastinha debaixo do braço e vai pedir uma esmola. Mas vou continuar tentando e quero ser um representante na Assembleia Estadual.

Como você se define politicamente?
Nem de esquerda e nem de direita. Sou do avesso (risos). Hoje em dia você não pode ser radical em nada. Tem coisas boas de um lado e do outro que eu concordo e coisas que discordo. Sinto que sou mais de esquerda. Acho que o câncer da política do Brasil de hoje é o político que promete mundos e fundos para se eleger. Eleito, ele não consegue aprovar o projeto se for muito grande e o projeto pequeno não dá visibilidade a ele. E para evitar gastar a verba dele à toa, ele não faz nada.

Qual é o principal problema do Brasil?
Educação. Meus projetos são todos voltados para a educação. E enquanto a gente não tiver educação não veremos a diversidade como ela deve ser vista e respeitada. E um dos meus projetos é incluir nas escolas a inteligência emocional como matéria obrigatória. É para falar de amor e ensinar as crianças a respeitar o outro. O distanciamento traz o preconceito. Nós vivemos em um mundo muito violento

Você participou de todas as Paradas Gay de São Paulo. Ela ajuda a evitar a intolerância e outras questões?
Sou um dos fundadores. Estava na primeira reunião que aconteceu na Praça Roosevelt onde reivindicávamos nossos direitos. Pensávamos que seriam umas 30 pessoas. Vieram duas mil. Eu me considero um dos fundadores da Parada Gay, que hoje é a maior do planeta. Estive presente em todas. Lamento que hoje a Parada tenha se transformado em um grande comércio e uma grande festa. Esqueceram dos gays mais importantes. Já me ofereci para fazer shows de graça e não sou escalado. É um preconceito. De duas mil pessoas, passamos a milhões. Eu lamento que os fundadores tenham sido esquecidos pela atual direção da Parada.

Você é muito assediada?
Sou muito assediada como qualquer mulher bonita. Mas não dou bola. Tenho um casamento de 17 anos. Se deixar, eu não consigo andar na rua.

Que você acha de viver na Pompeia?
A Pompeia é um paraíso para mim. Gosto muito do bairro. Faço muita coisa por aqui. Meus filhos frequentam o Sesc Pompeia. Vou à padaria, ao shopping que é perto daqui, e tudo o que posso fazer, faço pelo bairro. Além disso, tem um fácil acesso para outros bairros e fico perto de tudo. O pessoal só precisa cuidar mais dos cocôs dos seus cachorros e não transformar as ruas e praças em “cagódromos”.

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