O caminho do peregrino

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O caminho do peregrino

O contador Paulo Bertechini, morador de Perdizes, é praticante de trilhas e caminhadas há muitos anos. Entre as várias excursões que fez pelo Brasil e fora daqui, Paulo em 2008 fez a rota francesa de 830 km no Caminho de Santiago de Compostela, na região norte da Espanha, a peregrinação mais famosa da atualidade e que também já foi feita pelo escritor Paulo Coelho, que contou sua experiência no livro ‘O Diário de um Mago’. A caminhada de Paulo, tinha no início apenas um interesse turístico e acabou se transformando em uma experiência interior que o levou a rever sua vida e o motivou a fazer voluntariado. Na volta, ele ingressou na Associação dos Confrades e Amigos do Caminho de Santiago de Compostela e desde 2009 é seu presidente. Nesta entrevista, Paulo conta como foram suas peregrinações. Ele acaba de chegar de sua segunda peregrinação, desta vez na companhia da esposa Claudia. Fala da experiência de um peregrino e como isso pode modificar sua vida, entre outros assuntos.
 
Você sempre gostou de fazer caminhadas?
Gosto de caminhar e fazer trilhas. Jogava futebol, mas tive um problema no joelho. Se eu continuasse praticando o esporte, teria de fazer uma cirurgia. O médico me disse que sem a cirugia poderia fazer caminhadas. E a partir daí me dediquei às caminhadas.

Você acabou organizando grupos para fazer trilhas pelo Brasil. Como foi isso?
Quando eu comecei a procurar grupos e empresas que fazem caminhadas encontrei dificuldade. Tinha um amigo que organizava algumas caminhadas, mas ele por várias razões, parou de fazer isso. Virei o organizador dessas trilhas. Organizava o grupo, traçava a rota, contratava ônibus, guias, reservava hotéis, mas fazia isso sem ganhar nada, só pelo prazer de caminhar com os amigos. Em 2005, a coisa cresceu e muita gente me procurava para fazer as caminhadas. 
 
E o que o motivou a fazer o Caminho de Santiago de Compostela?
Em 2007, surgiu a ideia de subir até o Pico da Bandeira, na Serra do Caparaó, no sul de Minas Gerais. Acabei fazendo a trilha do Caminho da Luz que começa em Tombos (MG) e termina no Alto do Caparaó onde está o Pico da Bandeira. Durante a caminhada, que durou uma semana para percorrer cerca de 200 quilômetros, fiquei sabendo através dos meus colegas de trilha que esse era um preparatório para quem quer fazer o Caminho de Santiago. Éramos um grupo de 12 pessoas e quatro delas já havia feito o Caminho de Santiago. Havia uma senhora de 69 anos que fez o Caminho Francês e caminhava 20 km por dia. Outras pessoas falaram muito sobre o Caminho, que eu já conhecia, mas nunca havia me interessado. Nessa época, eu tinha recém-perdido meus pais. Eu estava com 44 anos, solteiro, sem filhos e achei que seria a época certa. Vendi uma casa que era dos meus pais e fui em maio de 2008. A peregrinação durou 30 dias e aproveitei o feriado de Corpus Christi mais as férias e, no total, foram 34 dias de viagem. 
 
Chegou a ler o livro do Paulo Coelho, ‘Diário de um Mago’ que narra a peregrinação dele?
Não li muita coisa. Muitos leram o livro do Paulo Coelho para fazer a viagem, mas eu não. O Paulo Coelho narra a experiência dele pelo Caminho de Santiago. Ele fala das cidades, do caminho… Mas a minha motivação a princípio foi fazer turismo de caminhada.
 
Entre tantos caminhos por que você escolheu o Caminho Francês?
Por recomendação de quem já havia feito a viagem. O Caminho Francês tem cerca de 830 km de extensão e é mais plano, mais fácil de caminhar e é o mais procurado pelos peregrinos. Comecei pela cidade francesa de Saint Jean Pied de Port que fica aos pés dos Pirineus. Mesmo assim é preciso uma preparação para aguentar a caminhada.

Quantos quilômetros você caminhava por dia para cumprir sua meta?
Caminhava em média uns 24 quilômetros por dia.

Teve algum fato diferente durante a sua peregrinação?
Algumas coisas aconteceram durante o caminho que me fizeram acreditar que não existem coincidências. Eu viajei sozinho, mas ao chegar ao aeroporto de Guarulhos, encontrei um rapaz de mochila nas costas, típico de quem vai fazer a caminhada. Soube que ele, Ademir, também iria fazer o caminho e sairia também de Saint Jean. Decidimos ir juntos. Em Madri, ao apanhar nossas mochilas, outro brasileiro aparece, o Ernesto, que também iria fazer o mesmo trecho. Agora éramos três. Ao chegar em Saint Jean, no albergue que ficamos, conhecemos na primeira noite muitas pessoas, de vários países. Entre elas, uma canadense de 59 anos, a Cindy, que pediu para caminhar conosco. Topamos e começamos a nossa caminhada, cada um no seu ritmo. Foi bom para eu perceber que meu inglês estava até afiado e eu conversava bastante com a canadense. Quando perguntei a razão dela estar caminhando conosco, ela disse que sonhou que iria encontrar três brasileiros para fazer o trajeto. Achei que era brincadeira dela, mas não era. Fizemos em poucos dias uma grande amizade. Mas durante a caminhada, ela teve muitas bolhas nos pés e quando a levamos ao médico, ele afirmou que ela não poderia continuar e teve que voltar ao Canadá logo depois. Ter deixado a Cindy foi difícil para mim. Depois fizemos outras caminhadas juntos, inclusive em Machu Pichu, no Peru.

Que lições você tirou da peregrinação?
A peregrinação permite que você converse muito com você mesmo. Você lembra dos seus antepassados. Eu lembrei de uma bisavó que tinha origens espanholas. O interessante é que os companheiros de viagem não te julgam, são estranhos em sua vida. Minha conclusão é que encontrei pelo caminho as pessoas que eu exatamente precisava encontrar naquele momento. Foram pessoas que me ajudaram a fazer a caminhada. Minha motivação inicial era fazer turismo de caminhada.
 
Quem faz esse tipo de viagem tem muito tempo para pensar sobre sua vida.
Durante a peregrinação, eu fiz uma reflexão da minha vida, até então. Nos 30 dias que durou a minha caminhada, eu transformei cada dia em um ano da minha vida, partindo dos 14 anos. A cada dia no caminho, eu analisava o que era bom para mim e minha vida. Em um desses dias, decidi que quando voltasse ao Brasil, iria fazer um trabalho voluntário que me agradasse. E quando voltei ao país, conheci a associação e fui trabalhar lá como voluntário e, em 2009, acabei sendo eleito presidente. 
 
Como você se planejou para fazer a primeira viagem?
Montei um cronograma com todas as informações que consegui reunir até então. Eram informações sobre as cidade, onde dormir, onde comer, os albergues mais indicados e coisas assim. Onde ficar, comentários sobre cidades, albergues etc. Consegui cumprir meu cronograma.
 
Durante a caminhada, você não teve vontade de desistir?
Sem dúvida, mas o Ernesto, me ajudou muito. Ele caminhava muito rápido e nós nos incentivamos a cumprir nosso cronograma. Fazíamos em média, 4 a 5 km por hora.
 
Como é o dia a dia de um peregrino?
Na mochila que pesa uns sete quilos, você leva o básico: camisetas, uma calça, abrigo de chuva, roupas íntimas e material de higiene. O cajado também faz parte do equipamento. O meu, eu até trouxe comigo. A caminhada sempre começa cedo, lá pelas 6 horas da manhã. Por duas razões, por causa do sol, que mesmo na primavera é bem forte. E quando você sai cedo, dá tempo de chegar na próxima cidade e procurar um albergue e conhecer a cidade. À noite, você janta e logo vai dormir para estar de pé na manhã seguinte. De manhã, se toma um café da manhã básico. Geralmente, eu tomava o meu café depois de uma hora de caminhada, porque os albergues servem café a partir das 7 da manhã.
 
Para se receber o certificado de peregrino tem uma exigência mínima em questão de distância percorrida? Como é isso?
O que a igreja exige é que para você ser considerado um peregrino precisa percorrer os últimos 100 quilômetros caminhando. Quando você termina a peregrinação em Santiago de Compostela, eles perguntam se a sua caminhada foi por motivos religiosos ou por outro motivo. Se você informa que a peregrinação foi por motivos religiosos, você recebe um certificado em latim comprovando sua caminhada. Se você diz que foi apenas por turismo, recebe outro tipo de certificado, mais simples. Mas todo mundo recebe o seu. 
 
E como se comprova ter feito a caminhada?
Através do passaporte do peregrino que você consegue em qualquer albergue paroquial nas cidades que integram os caminhos. Ele custa um euro. Aqui no Brasil, quem é nosso associado recebe ele grátis e já parte com um primeiro carimbo, o da nossa associação. Isso pode ser útil na hora de entrar na Espanha. Quando perguntam, na alfândega, o motivo da viagem, dizer e comprovar que vai fazer o caminho pode facilitar o ingresso.

Em cada cidade você recebe um um carimbo para comprovar?
Em cada albergue que você chega eles carimbam sua estada e com ele você consegue o seu certificado quando chega à Santiago de Compostela. Ele também serve para você recordar onde ficou hospedado e coisas assim.
 
Qual é a emoção que se sente ao completar o caminho?
Para mim, a chegada foi emocionante por duas razões. Você cumpre a sua meta, mas por outro lado, a viagem chegou ao final. A pergunta que me veio em seguida foi: o que eu vou fazer agora? Qual será o próximo desafio? O caminho acaba aqui? Você fica alegre e triste ao mesmo tempo.

Você acaba de voltar da sua segunda peregrinação. Qual foi o roteiro desta segunda viagem?
Em maio, fiz o Caminho da Costa ou do Norte. É um caminho mais difícil do que o francês. Tem muita montanha no trajeto. Eu fui desta vez com a Cláudia, minha mulher. E desta vez, tínhamos menos tempo para fazer a caminhada. A nossa viagem começou em San Sebastián e até Santander fomos caminhando. Aí pegamos um trem até Oviedo. E de Oviedo fomos caminhando até Santiago de Compostela.
 
Foi muito diferente em comparação à primeira?
Primeiro, eu estava com a minha mulher. O caminho que fizemos é mais solitário, oposto ao francês que tem muita gente caminhando e você nunca vai sozinho. Nós caminhamos juntos. Mas deu tudo certo, apesar de uma bolha no pé dela.
 
Que dicas você dá para quem pretende fazer essa viagem?
Aconselhamos que se prepare fisicamente e faça a peregrinação no seu ritmo. O curioso de quem faz o caminho é que quando volta, você quer contar para todo mundo o que viveu. Chega uma hora, que você só fala disso. Sempre convidamos as pessoas para ir à associação e contar para outras pessoas que estão dispostas a ouvir sobre sua caminhada. As palestras são gratuitas abertas para todas as pessoas.

É seguro fazer a peregrinação sozinho?
Não. O caminho francês, recebe mais de 140 mil peregrinos por ano. É o mais fácil. Tem sido assim desde o ano de 822 quando o rei de Oviedo foi visitar a tumba de São Tiago. Ele foi de cavalo, com comitiva e toda a criadagem, etc.
 
Como foi a sua preparação?
Eu caminho sempre. Diariamente vou e volto a pé até o Hospital das Clínicas, onde trabalho. São três quilômetros. Faço caminhadas nos finais de semana pela Associação.
 
Vocês são quantos associados?
Temos hoje 1.800 inscritos e 600 participam diretamente. Muitos deles ainda não fizeram o Caminho. Cobramos uma anuidade de 100 reais e 20 reais de taxa de adesão.

Quanto custa uma viagem?
Em torno de uns seis mil reais por pessoas. O mais caro é a passagem aérea. 
 
Para concluir, vale a pena fazer essa peregrinação?
Sempre digo: se você tem motivo para fazer o caminho, faça. Se não tiver, faça também porque você vai descobrir a razão. Vale pela experiência, pelas pessoas que você encontra pelo caminho. Quem faz o caminho volta mais solidário.

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