Nanette Blitz Konig, conheceu Anne Frank, sobreviveu ao holocausto nazista, casou, veio morar no Brasil, criou três filhos e hoje conta sua história para que ninguém se esqueça do horror que uma guerra representa.
Nascida em uma família judia há 87 anos, em Amsterdã, Holanda, Nanette Blitz Konig é uma sobrevivente do holocausto, uma tragédia que tirou a vida de 6 milhões de judeus (estima-se que cerca de 47 milhões de pessoas morreram em função da Segunda Guerra Mundial). Hoje vivendo no Brasil, no bairro do Sumaré, com o marido, John, Nanette diz que teve muita sorte em não fazer parte da lista de vítimas. Ela conta que no início de outubro de 1941, os alunos judeus tinham que frequentar escolas separadas e é nessa ocasião que se tornou colega de classe de Anne Frank, no Liceu Judaico – Nanette chegou a ir à festa de aniversário de 13 anos de Anne. Ela diz que sabia que Anne estava escrevendo um diário (aquele que mais tarde se tornaria um best-seller) e que ela já tinha planos de publicá-lo, para ser fonte de estudos sobre tudo o que estava ocorrendo com os judeus naquela época.
Nanette continua contando sobre a prisão de sua família e o horror que teve de enfrentar aos 14 anos de idade: “Na época não tínhamos como imaginar o que acontecia com as famílias judias que tinham sido cadastradas na Holanda. Éramos inocentes quanto a isso, mas isso não nos livrou do que aconteceu a seguir. Em setembro de 1943, minha família foi presa e levada para o campo de transição de Westerbork (Holanda). Em fevereiro de 1944, fomos deportados para o campo de concentração de Bergen-Belsen (Alemanha) e no começo do ano seguinte, eu fui enviada para outra parte desse campo, conhecido como campo pequeno para mulheres, de onde via Anne, que ficava do outro lado da cerca de arame farpado, chamado campo grande de mulheres, juntamente com sua irmã Margot”, relembra.
Os pais e o irmão de Nanette não conseguiram sobreviver às duras condições a que foram submetidos (os três morreram perto do final da guerra: seu pai por exaustão, em novembro de 1944; sua mãe em dezembro, após ser separada de Nanette no trem a caminho de outro campo de concentração; e seu irmão após ser transferido para Oranienburg – um dos primeiros campos de concentração estabelecidos pelos nazistas), mas ela foi libertada após o término da guerra e salva por um major britânico. “Passei três anos hospitalizada – eu tinha contraído tifo, a mesma doença que matou Anne Frank, além de tuberculose e pleurisia. Fiquei sem nada nem ninguém”, declara.
Durante a internação de Nanette, ela ficou sob o cuidado de tutores holandeses e, quando se recuperou, foi morar com as tias na Inglaterra. Naquela mesma época, ela chegou a receber de Otto Frank (pai de Anne), um exemplar do livro escrito pela filha, “Het Achterhuis” (O Anexo Secreto). Falando perfeitamente inglês, francês, alemão e holandês (línguas que faziam parte do currículo escolar da época), Nanette não teve problemas em se estabelecer em Londres, onde acabou seus estudos e conheceu o seu marido, John Konig, que é húngaro.
No ano de 1953, os dois se casaram e mudaram para o Brasil logo em seguida. Aqui, Nanette e John formaram uma grande família, com três filhos, seis netos (um dos quais morreu numa avalanche no Canadá) e quatro bisnetas. Embora somente um de seus filhos more no Brasil, Nanette é muito presente na vida de todos, uma mãe cuidadosa e preocupada. “Eu sou economista de profissão, mas nunca exerci. Eu e John decidimos que eu ficaria em casa, cuidando de todos, cozinhando e educando os filhos, porque isso é uma função muito importante que, a meu ver, não pode ser simplesmente entregue a outras pessoas”, diz.
Desde 1999, Nanette visita escolas para contar sua história, que, de acordo com ela, não pode e não deve ser esquecida, simplesmente para que nunca mais se repita. No ano de 2008, Nanette fez parte de um projeto de Theo Coster denominado Os Colegas de Anne Frank, que reuniu, em Amsterdã, todos os sobreviventes. Em julho de 2015, ela lançou seu livro, Eu Sobrevivi ao Holocausto, publicado pela Editora Objetiva. “Muitas pessoas me procuraram pedindo para eu contar a minha história, mas só depois de conhecer a editora Márcia Batista, é que finalmente decidi que publicaria um livro. Eu também gostei da ghost writer contratada. O trabalho foi difícil para todos porque elas tiveram que se colocar no meu lugar para escrever”, revela Nanette.
Hoje, Nanette continua ativa, ministrando palestras no Brasil e em outros locais do mundo onde é requisitada, e cuidando de seu querido John, em São Paulo. “Sou eu quem preparo a comida do meu marido e estou sempre atenta ao que falta em minha casa”, finaliza. (ND)
Trechos do livro:
“Hoje olho para trás e não consigo imaginar algo mais grotesco do que essa cena: famílias reunindo os poucos pertences que podiam para seguir rumo à morte. Que humanidade seria essa?”
(…)
“Não me contive de ansiedade e felicidade e gritei: Anne! Ela ouviu seu nome ser chamado, talvez se perguntando de onde estaria vindo aquele som que lhe era familiar, e virou seu rosto em minha direção com aqueles olhos e sorriso que eu tanto havia visto no Liceu Judaico. Foi um momento muito emocionante! Ela estava envolta em um cobertor, pois não aguentava mais os piolhos na sua roupa, e tremia de frio. Corremos para nos abraçar, e lágrimas caíam dos nossos rostos, lágrimas que possuíam todos os sentimentos misturados: lágrimas de alegria e alívio por termos nos encontrado naquele ambiente sem vida, lágrimas pela situação deprimente em que estávamos, lágrimas, também, porque naquele momento nós duas estávamos sem nossos pais, sem nenhuma proteção. Ainda é um mistério para mim como pudemos nos reconhecer: dois esqueletos naquele lugar em meio a tantos outros que não conseguiam se diferenciar. Mas os olhos conhecidos não negaram o passado comum (…).”
Fotos: Arquivo pessoal