Escola e família

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Escola e família

Fátima Freire Dowbor saiu do Brasil adolescente junto com os pais, os educadores Paulo e Elza Freire, foram para o exílio e viveram em oito países antes de retornar. É formada em pedagogia, filosogia, psicopedagogia e línguas romanas e mestre em semiótica. Publicou o livro “Quem educa, marca o corpo do outro” e é moradora da região, onde teve uma escola por 22 anos. Mãe de quatro filhos e avó de dois netos, hoje ela faz consultoria pedagógicas para instituições de ensino e faz palestras pelo Brasil e exterior. Nesta entrevista ela discorre sobre os problemas de educação que envolvem pais e as escolas.

O que é educação para você?
Há uma diferença entre educar e ensinar. Educar uma criança ou um adulto é um conceito mais amplo do que ensinar alguma coisa. Quando estou educando, eu também estou ensinando. Para mim, uma das maiores complicações é que no cotidiano não percebemos quando estamos educando. Os nossos atos e atitudes têm a ver com os nossos valores e, portanto, nós estamos veiculando valores constantemente enquanto estamos atuando. Então, nós não educamos de forma neutra. Quais são as instituições que são responsáveis pelo nosso processo de formação? A família é a primeira e fundamental, a igreja também é. E a escola é uma instituição formadora de gente.

Família e escola precisam se entender…
Como educadora, considero tão importante essa relação. É preciso refletir e viver de forma consciente a relação entre escola e família. São duas instituições formadoras de gente. E têm a mesma pessoinha interessada: o filho/aluno.

Que problemas há neste relacionamento?
Um dos grandes problemas atuais na educação das crianças é a forma como as escolas vivenciam o ato de ensinar. A maioria dos educadores – e eu respeito quem pensa assim – pensa e vive o ato de educar como um ato aplicativo. Para mim, o ato de educar é um ato existencial e vivencial. São duas coisas diferentes. E para mim, isso é crucial.

Os professores estão escolhendo a profissão conscientemente?
Naturalmente, todas as nossas escolhas têm pouquíssima porcentagem de consciência. Via de regra, nossas escolhas são inconscientes.

E no seu caso? Afinal você teve pais que eram educadores.
Totalmente. Teria sido muito difícil eu não seguir por esse caminho. Não temos como fugirmos dos modelos parentais. Eles nos marcam. Por isso, pai e mãe são grandes modelos para nós. Agora, pasmem, o nosso segundo modelo são os nossos professores. Eles ocupam um lugar em nosso desenvolvimento de uma força e importância muito grande e não sei se isto está claro. E esse é meu trabalho. Eu viajo pelo Brasil inteiro e fora para discutir isso com professores e educadores.

Há grandes diferenças entre as escolas públicas e as particulares?
Uma das grandes fantasias que se escuta falar, que era minha também, e tive a chance de desmantelá-las. É a que o professor da escola pública é uma desgraça! Nada disso. Tem muita gente boa! Tem muitos professores envolvidos e sedentos de saber. O que não se propicia é um novo aprendizado decente para eles. Eles precisam ser educados constantemente, como todos. Precisam estar em processo de formação constante.

Escolas são um negócio como outro qualquer?
Mas escola é um negócio. É por isso que existe uma comercialização muito grande da educação.

Os governos investem em educação?
Seria leviana em dizer sim ou não. Não tenho dados para isso. Mas para resolver os problemas da educação, e eles são sérios, é preciso ter vontade política. É maior do que a questão do dinheiro. É preciso valorizar o professor, não só salário. É preciso ter continuidade nos projetos educacionais. Felizmente, isto está melhorando muito nos dias de hoje.

A educação no Brasil é boa?
Sou otimista. Eu ousaria dizer que ela está satisfatória em relação ao que ela já foi ou tem sido. Quero crer que os resultados estão melhores, inclusive na escola pública. Agora não é satisfatória em relação ao que ela deveria ser se houvesse uma vontade política.

Matricular os filhos em escolas particulares é garantia para o futuro dos filhos?
Nós já tivemos escolas públicas decentes e boas. Eu continuo sendo a favor da escola pública. Nós temos que brigar pela melhoria dela. Nem só a pública. O que está em jogo é uma boa formação de nossos professores. Brinco dizendo que no dia que as escolas realmente realizarem bem o seu trabalho de formação, eu não terei mais trabalho!

Esse é o trabalho que você faz com os professores?
Sim. Dou cursos de formação e faço assessoria para professores e coordenadores pedagógicos.

Você já foi dona de escola?
Tive por 22 anos a escola Poço do Visconde na Avenida Pompeia. Eu era a diretora pedagógica da escola. Foi uma experiência riquíssima. Meu pai (Paulo Freire) também participou da escola e foi um privilégio. Quando eu fechei a escola, quiseram me crucificar!

Por que fechou?
Eu perdi a sócia fundadora, Paulete Reis. Tinham outras sócias, mas para mim, ela era a alma da escola. Ela morreu em março e em maio, meu pai morreu. No final daquele ano (1987) fechei a escola. Foi uma história fantástica.

Escolas e pais conversam entre si?
Não, porque a escola não sabe fazer isso. As duas instituições (escola e família) deveriam se unir em benefício do aluno/filho. Uma briga com a outra, simbolicamente falando. Precisam construir este espaço de interseção que eu chamo de espaço ideológico entre família e escola.

Pais que entregam seus filhos para as escolas e esperam que ela faça dele (aluno/filho) um ser perfeito. É papel da escola?
Esse é um dos muitos problemas que temos. As escolas particulares são empresas e como tal devem cobrar pelos serviços prestados. Não tenho nada contra. Mas eu posso fazer isso sem comercializar o meu produto. A partir do momento que eu comercializo o produto humano, eu estou fora. Não dá! A família hoje está mudada e passou por um processo de mudança muito vertiginoso e rápido. Pai e mãe não estão tendo mais tempo real para estar com os filhos.

E qual é o papel da família?
Ela é responsável pelo processo de socialização primária da criança. Quem ensina as coisas básicas é o pai e a mãe. Genericamente falando, como os pais por “n” razões não têm tempo hábil de se responsabilizarem por esta socialização primária, eles estão jogando para a escola. A escola, por sua vez, como está comercializando e fica com medo de perder o “cliente”, aceita responsabilidades e funções que ela não sabe fazer porque não lhe compete. E o que acontece? Os professores estão fazendo o papel de pai e mãe.

A criança sente falta de limites?
Exemplos são importantes para as crianças. As escolas precisam debater e refletir com os pais o conteúdo e como todos juntos podem fazer para melhorar limites, cidadania. Falta às escolas tempo hábil ou ela não está atenta para a leitura do contexto do entorno em qual está inserida e qual é a sua função social. Ao matricular o aluno na escola, simbolicamente a família também está matriculada.

Os pais têm disposição para isso?
Em uma palestra recente que fiz, a escola esperava um número de pais bem inferior ao que compareceu. A gente subestima os pais. Eles têm interesse. A gente vai rotulando os pais como eles rotulam as escolas.

Os pais pensam o que das escolas?
A preocupação principal dos pais é que o professor atenda bem ao filho dele. Que o proteja e dê uma atenção especial. Tem uma fantasia no imaginário social das famílias que o professor pode ser aquele que vai perseguir o filho se os pais reclamarem. Eles existem, não nego, mas isso precisa ser trabalhado. E isso se resolve através do diálogo.

Como escolher uma escola?
É uma combinação. Os pais precisam conversar sobre isso. Mesmo separados, a conversa é preciso ser feita. Não precisam que os dois gostem da mesma escola. Segundo, eu preciso me perguntar o que é bom para a família. Qual é o conceito de boa escola para a família? É preciso discutir entre o casal qual é a cultura da família, os valores e no que eles acreditam.

A escola é o melhor caminho na formação do cidadão?
Para mim, sim. É o lugar ideal para aprender ou reaprender a resignificar ser gente. O primeiro aprendizado de ser gente é no núcleo familiar. A escola é o segundo núcleo onde a criança vai reaprender a resignificar o que trouxe na bagagem. A escola tem uma função social riquíssima e fundamental. Ela propicia à criança estar em um grupo de iguais de faixa etária, que é essencial para o seu desenvolvimento. E fundamentalmente a escola propicia, quando bem trabalhada dentro da sala de aula, que a criança possa ocupar lugares no coletivo diferente do que ocupa no coletivo da família.

Os pais estão preparados para dar limites às crianças?
Não estão. Este é outro dos grandes problemas da educação. Trabalham o dia inteiro e chegam exaustos. E fazem tudo para não brigar ou berrar com os filhos. Chamo isso de crise de autoridade social. Nós estamos com dificuldade em ocupar nosso lugar de autoridade. Tanto os pais como os professores nas escolas.

A criança pede para ter limites?
Perdidamente. A maioria dos pais pensam que impor limites é ser chato, que ela não vai gostar da gente. Os professores também têm algumas dessas fantasias. Associa limite ao desamor. É exatamente o contrário.

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