A moradora de Perdizes, psicóloga e professora titular de pós-graduação de Psicologia Clínica da PUC-SP, Denise Ramos, responde a questões referentes a um tórrido tema: a traição.
Mais antiga que a criação do mundo, a traição entre casais é um assunto sempre em pauta. De acordo com a psicóloga Denise Ramos, quem trai se esconde através das mentiras e dos jogos de sedução: “A traição começa no comportamento. O ser humano não pode controlar seus pensamentos ou desejos, mas pode controlar o que fazer com eles. Enquanto a pessoa estiver segurando sua frustração de não ter o(a) outro(a), trabalhando suas fantasias, tudo bem.”
Por que as pessoas traem? Existe uma razão?
Existem inúmeras razões para uma pessoa trair a outra. Entretanto, eu entendo a traição mais como uma desculpa do que uma razão, simplesmente porque ninguém é compelido ou obrigado a trair. Dizer que não teve escolha, que a tentação foi maior do que o raciocínio, que estava quase inconsciente, etc., são apenas desculpas para esconder a verdade maior que é a de que o traidor estava realmente com vontade de transar ou namorar outra pessoa.
Então, quem trai tenta desculpar a si e ao outro de alguma forma?
É mais uma forma de conciliar o sentimento de culpa e o desejo. A pessoa não quer admitir que teve desejo fora do casamento, então começa a dizer que perdeu o controle, que a atração foi maior que a razão… No fundo, a questão da traição não deixa de ser uma questão ética.
Uma questão ética, como assim?
Quando uma pessoa trai, ela está rompendo um compromisso, um acordo que fez com a outra pessoa. Esse rompimento é uma questão ética. É diferente quando uma pessoa se apaixona por alguém fora do casamento e rompe, optando pela outra relação. Isso é o correto. A traição, entretanto, é o ato de ficar numa relação contando mentiras, e a mentira é uma questão ética.
Quem trai também sofre?
Para a pessoa que tem uma certa ética, o ato de trair a leva a um grande sofrimento moral e não é uma coisa fácil de ser resolvida. Quem realmente tem ética e entra numa situação dessas para experimentar, ou por brincadeira momentânea, muitas vezes se vê mergulhado até a alma na outra relação e absolutamente dividido entre seu casamento e seu par romântico. Seu conflito se dá porque a pessoa não quer sair do casamento, mas também não aguenta ficar sem o(a) outro(a). Imagine a sensação de loucura que acontece numa relação a três, onde todos se envolvem e esperam uma solução… é similar a perder o controle da própria vida.
Então é como se a pessoa não aguentasse perder nada?
Sim, porque em algum momento, ela terá de optar, de cortar uma das relações. Quando chega o momento de escolher, ela se vê num beco sem saída porque quer tudo. Muitas vezes quem trai, e não rompe nem com seu par oficial nem com o(a) amante, tem baixa tolerância à frustração. Se o marido ou a mulher frustra essa pessoa, ela vai procurar uma outra relação idealizada, na qual só existe prazer e sedução.
Trair é algo sedutor?
Sim, porque é idealizado. Com o(a) amante, a pessoa não tem de se preocupar se está faltando comida em casa, nem se tem de pagar contas, ou cuidar de filhos… em uma situação idealizada não existe frustração. Como é fora do cotidiano, tudo é muito bonito, elegante, cheiroso, perfeito…
Quem trai, então, quer fugir da realidade de alguma forma?
Em geral, as pessoas que vivem essa situação idealizada são infantilizadas, pois, quando se frustram, vão embora e deixam o outro falando sozinho. Elas querem viver um sonho, uma paixão, um desejo ardente e saem com outros(as) para não ouvir mais reclamação, choro de criança… digo que essas pessoas são infantilizadas porque essa reação é típica de adolescentes rebeldes e não de pessoas maduras, que convivem bem com a frustração e até a transformam em algo bom, como um relacionamento saudável, por exemplo.
O traidor é um bom mentiroso?
Sim, a verdade é que quem mente detém o poder (pegue exemplos na nossa política). As pessoas que traem costumeiramente em geral contam mentiras sem piscar, ficar vermelhos ou tremer. Nem um bom psicólogo usando truques apropriados consegue reconhecer suas mentiras. Essas pessoas conseguem contar uma grande lorota com a maior naturalidade. Os(As) mentirosos(as) são habilidosos(as) nos jogos de sedução, têm boa lábia e, sim, enganam facilmente.
Quem trai mais: homens ou mulheres?
Pela minha experiência de atendimento no consultório, posso dizer que tanto homens quanto mulheres traem hoje em dia. Os homens traem suas esposas com prostitutas ou amigas e as mulheres com garotos de programa, garotões de academia, amigos… Ambos, de forma geral, querem algo a mais fora do casamento, mas nada sério, apenas uma farra. O mais complicado, entretanto, é o relacionamento extraconjugal que acontece no ambiente de trabalho. O famoso “motel da hora do almoço” é algo bem comum, até por conta de um convívio diário de muitas horas. A sedução no ambiente de trabalho fica muito grande porque os colegas acabam ficando muito mais parceiros do que os próprios cônjuges.
Existem pessoas que aceitam a traição?
Há mulheres que estão num casamento e que preferem mantê-lo por inúmeras questões, mesmo sabendo que seus maridos as traem. A mulher aceita o marido que traía, já o homem não… Mas isso é histórico, começou há muitos anos, quando os homens ainda colocavam cintos de castidade em suas esposas para não terem de sustentar filhos bastardos… De qualquer forma, nos dias de hoje, quando uma mulher se acomoda e resolve aceitar o marido traidor, fatalmente aparecerá uma vingança em algum momento ou lugar, mesmo que seja no cartão de crédito. Então, pode-se dizer que ela “aceita”, mas com ressentimentos e amarguras. A verdade, então, é que ninguém acolhe bem uma traição, pois mesmo as compensações que venha a ter, seja em dinheiro, bens, etc., nunca serão suficientes. São sempre situações de grande amargura já que, em geral, quando o casal briga, um acaba descontando sua raiva e frustração no outro. A traição nunca é saudável.
Como ficam os filhos nesses relacionamentos?
Eles se ressentem muito e, às vezes, percebem a traição até antes mesmo que o pai ou a mãe. Eles captam no ar e isso cria um segredo em família muito pernicioso e negativo. É muito pesado para um filho saber da traição de um dos pais e guardar esse segredo com a intenção de proteger sua família.
A “outra” sofre tanto quanto a esposa traída?
Ser a “outra” é uma posição extremamente infeliz. A “outra” sofre o tempo todo porque ela quer que seu companheiro esteja sempre a seu lado, mas ele nunca está nas ocasiões importantes, festas, etc. Em todos os momentos oficiais, ele estará lá com a esposa. Ser a “outra” também faz com que a mulher nunca se sinta boa ou bonita o suficiente para tirar esse homem do casamento. Essa situação acaba com a autoestima de uma pessoa, que fica tão rebaixada, que não se acha mais capaz nem de conseguir um bom emprego, nem de conseguir outro namorado, por exemplo. Em geral essa situação não tem saída e em muitos casos até, se a amante insiste muito em ficar com aquele homem em alguma ocasião importante, ele acaba rompendo a relação e optando por sua esposa porque, na verdade, jamais teve a intenção de sair daquele casamento.
Existe traição via internet?
Sim. É algo novo, mas existe. A internet e as redes sociais ajudaram a aumentar os casos de traição. Ela é virtual, mas não deixa de ser traição porque envolve uma mentira. Por exemplo: a esposa vai dormir e o marido entra num chat de sacanagem para bater papo, muitas vezes se expor pelas câmeras, interagir com uma outra pessoa, e acaba escondendo esse fato da companheira. Essa ação se torna uma barreira nas conversas do casal porque o marido, a partir daquele momento, terá de tomar o maior cuidado com o que fala para não ser descoberto. Há um rompimento na cumplicidade do casal nessa mentira e por isso é considerado traição.
A traição começa no pensamento?
Não, de jeito nenhum. A traição começa no comportamento. O ser humano não pode controlar seus pensamentos ou desejos, mas pode controlar o que fazer com eles. Uma pessoa pode ter o maior desejo pela outra. E isso é natural porque, depois de algum tempo de convivência, um casal não mais se basta o tempo todo. Enquanto a pessoa estiver segurando sua frustração de não ter o(a) outro(a), trabalhando suas fantasias, tendo sonhos eróticos ou lendo pornografia, etc., tudo bem. Agora, se ela parte para a ação, criando vínculos de intimidade que excluem o(a) parceiro(a), mentindo para esconder esses vínculos, rompendo aquela liberdade gostosa de compartilhar pensamentos e frustrações com quem está casado(a), aí sim é traição.
Existe um jeito de evitar as traições?
Quando atendo casos de traição em meu consultório, percebo que os casais, com o passar do tempo, param de falar de si e de seus sentimentos, por isso estimulo a comunicação entre eles. Não há casamento que sobreviva à falta de comunicação. Para manter um casamento saudável, é preciso sair do lugar comum sempre que possível, sem carregar filhos ou falar de problemas… O namoro habitual é fundamental para manter o casamento. Eu praticamente obrigo meus pacientes a saírem pelo menos uma ou duas noites por semana a sós, para compartilhar sentimentos. Nesses encontros fica proibido falar de emprego, criança, empregada, problemas. Isso ajuda muito a restaurar vínculos se houver uma intenção sincera de ambos.