Orgulho nacional

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Adalberto Piotto

Com uma carreira promissora e consolidada, o jornalista Adalberto Piotto aventurou-se pelo mundo do cinema.

Ele dirigiu recentemente o documentário Orgulho de Ser Brasileiro, já lançado em DVD e distribuído em escolas, universidades, associações, sindicatos e institutos. O filme, que discute o sentimento envolto na mais emblemática frase que se ouve no país, deve chegar aos cinemas entre agosto e setembro, embora já tenha sido exibido em algumas salas e unidades da CESP, a patrocinadora do filme.

Fale um pouco sobre sua trajetória profissional até chegar à produção e direção desse documentário.
É impossível falar da minha carreira no jornalismo sem dizer que estudei em escola pública em Rio das Pedras, fui aluno do SENAI de Piracicaba, do curso de de mecânica do Colégio Técnico Industrial, trabalhei como técnico em manutenção e fui pra Escola de Aprendizes-Marinheiros de Santa Catarina, de onde saí pra cursar jornalismo na Universidade Metodista. Isso tudo explica muita coisa na vida de alguém. Como jornalista, fui repórter de um jornal semanário da minha cidade, ainda aluno do 2º ano de jornalismo, onde fui processado porque denunciei um prefeito que não tinha aplicado os recursos da educação. Fui absolvido. Trabalhei em várias emissoras de TV do interior. Deixei tudo e fui morar na Inglaterra. Voltei e comecei no rádio até me firmar como âncora na Rádio CBN de São Paulo. Afastar-me temporariamente do jornalismo, para produzir e dirigir um filme que rompe com alguma coisa e abre outras perspectivas, mesmo que seja com a estética cinematográfica de cinema de documentários para fazer um filme que trata do Brasil e dos brasileiros sob a ótica do orgulho de ser deste país, é mais uma etapa da vida. Nunca deixei algo porque aquilo estava ruim. É que via em outro lugar ou atividade o ar fresco para avançar e provocar avanços.

Você acredita que foi meio profético produzir esse filme antes que os cidadãos brasileiros saíssem às ruas para pedir melhorias e o combate à corrupção?
Seria pretensioso afirmar que previmos alguma coisa. A essência do roteiro e o argumento em que se baseia o Orgulho vieram do meu incômodo pessoal com este país e as coisas como estão e meu desejo de provocar a discussão. Encontrei 16 entrevistados dispostos a discutir o Brasil de verdade. Fui movido solitária e essencialmente pelo temor de as discussões não avançarem e a geração de nossos filhos estarem discutindo as mesmas coisas que nós daqui a 20 anos. Seria prova irrefutável de que patinamos. Há quanto tempo discutimos a qualidade insuficiente da escola pública?

Trace um paralelo entre seu filme e os protestos. Você acredita que o orgulho ser brasileiro está voltando?
Quando concebi o argumento do filme, há uns 6/7 anos, quando o filmei em 2012 e quando finalizei em março deste ano para uma estreia no Cine PE em abril na seleção oficial do festival de cinema, eu só tinha a mim e aos meus 16 entrevistados incomodados e dispostos a discutir o Brasil e seu povo pra valer. Aliás, sempre acreditei que aqui havia muita gente disposta a discutir o Brasil, desde que tratada com honestidade, transparência. As ruas, hoje, dão a mim e a todos essa certeza. Não há um paralelo. Há um só povo que tem se mostrado disposto, pelo menos no coletivo das manifestações, a não aceitar as coisas como estão. Mas agora que redescobrimos nosso poder de ir às ruas, é preciso saber o que cada um vai fazer no particular, na vida privada. Vai parar de querer levar vantagem imoral sobre os outros? Vai continuar a bancar o esperto? A andar no acostamento? A deixar o banco da praça sujo porque acha que público no Brasil significa de ninguém? O orgulho de ser brasileiro será restaurado quando ações individuais respeitarem e melhorarem a vida do coletivo. O mérito do filme está em aprofundar essa discussão muito antes dos protestos de rua. Daí, nesse caso, sim, talvez tenha algo de visionário.

Pelo depoimento dos entrevistados, como resumiria esse orgulho atual?
Um sentimento ainda instável, à procura de personalidade real. Temos um imaginário de orgulho real possível, até provável, mas que depende de mais de cada um de nós.

Esse orgulho andou abalado?
Muito! Digo no filme que somos um povo capaz de sentir orgulho no domingo e vergonha na segunda. Temos de ter consciência de que não somos nem o melhor, o mais bonito, nem o pior ou mais feio do mundo. Somos um país em construção que precisa de muito trabalho para melhorar.

O que falta nos brasileiros para que eles voltem a sentir esse orgulho?
Respeito pelo que fizemos até agora e, sobretudo, por quem nos fez chegar até aqui. A segunda coisa que nos falta demais é ambição. Não aquela do lucro e vantagem fáceis. Mas aquela boa, de querer crescer, de ser melhor, de não se contentar com o trecho da praia limpa onde ficou, apesar do esgoto ser despejado logo mais à frente. De gostar de andar nas calçadas de Paris, mas reclamar e fazer por onde para ter calçadas boas de se andar em São Paulo ou qualquer outro lugar. De que os rios Pinheiros e o Tietê possam ser saudáveis. De que a tecnologia de despoluir rios e fazer calçadas “andáveis” é conhecida e aplicável aqui também. De parar com esse lenga-lenga de “Isso é Brasil” ou “O Brasil é assim mesmo” diante de cada escândalo na política por políticos que foram eleitos pelos próprios brasileiros. Falta-nos a ambição de querer ser de fato um país de primeiro mundo em cidadania.

Qual sua relação com Perdizes? O que tem de melhor no bairro para você?
Moro aqui há 12 anos. É o segundo bairro que morei em São Paulo. Pode parecer simples, frugal, mas gosto do ar urbano dessa região. Gosto de calçadas, banca de revista, farmácia e padaria tudo a passos de distância. Isso você encontra aqui. Gosto por ser arborizado, por ser de verdade. É ambiente de cidade, diverso, complexo, não de condomínio. São Paulo é um lugar urbano feito pra dar certo que momentaneamente tem exposto alguns erros. Só isso. Que corrijamos as coisas erradas e pronto!

Você já está trabalhando em novos projetos? Pode falar um pouco deles?
Tenho dois outros documentários em vista: um sobre médicos e outro sobre militares e estudantes sob uma ótica nova, provocadora e inédita, tal como fiz ao tratar do orgulho nacional. Mas ainda estou na fase de pesquisa. Não quero tratar dos temas com simplismo e obviedade. Quero, sim, provocar o pensar. O Orgulho de Ser Brasileiro é um documentário provocativo o tempo todo, mas acessível, aberto, transparente, jamais sombrio. Esse é o estilo, a narrativa que tento imprimir.

www.orgulhodoc.com.br

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