Pela periferia

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Tati Ivanovici

A jornalista Tati Ivanovici tem sua história diretamente ligada à periferia. Como ela diz, “nasci em Mogi das Cruzes, na periferia da zona leste de São Paulo”. Em agosto de 2011, ela criou o site www.doladodeca.com.br onde divulga todos os eventos que acontecem nas periferias do Brasil, sejam rodas de samba, saraus literários, bailes de funk ou de rap. Trabalhou na ONG Aprendiz e passou pela MTV, Canal Futura e outros meios de comunicação. Nesta conversa, Tati, que mora no bairro há anos, revela o conhecimento de quem conhece todas as periferias, fala sobre o que acontece nessas comunidades e apresenta ideias para melhorar o mundo.

Você é da periferia?
Nasci na periferia. Sou de Mogi das Cruzes, extremo da zona Leste de São Paulo. Consegui me formar graças a uma bolsa da faculdade Anhembi-Morumbi. Trabalho desde os 12 anos e como a maioria dos brasileiros, passei na pele tudo o que o pessoal passa. Minha vida é de luta! Trabalhei no Projeto Aprendiz onde conheci o jornalista Gilberto Dimenstein.

Como você define periferia?
Eu não defino. Nem concordo com o termo periferia. Pergunto: onde é centro e onde é a periferia? Eu diria que o centro é o que o sistema chama de periferia. É lá onde as pessoas consomem, onde as coisas acontecem. Lá que as pessoas transformam a realidade.

E há quanto tempo você mora na “periferia” da Pompeia?
Moro há anos na região da Pompeia. Já morei na Rua Tucuna, na Francisco Baiardo, na Cuxiponés. Aqui é muito conveniente para rodar a cidade inteira. Embora eu preferiria morar no Capão Redondo, onde eu tenho um monte de amigos e poderia morar em uma casa mais confortável.

Como surgiu o Do Lado de Cá?
Três anos atrás eu tinha um blog onde divulgava as iniciativas da periferia do Brasil inteiro. Foi um test-drive para o site. Como sempre tive muita articulação, muita coisa chegava às minhas mãos e eu divulgava as iniciativas positivas. Escrevia sobre cultura popular, cultura negra e colaborei com jornais como a Folha de São Paulo, com a revista Trip e outros veículos. E fiz uma parceria com o Gilberto Dimenstein. Ele apostou em mim. Fiz esse canal de comunicação onde o povo se enxergue.

O site vai além da música. Abrange artes plásticas, poesia, cinema, teatro…
Divulgo também os saraus de literatura que acontecem. Articulações positivas como essas transformaram alguns bares que eram pontos de violência e de bebedeira em centros culturais. Por exemplo, todas as quartas-feiras, acontece no bairro de Piraporinha (zona sul) o Sarau de Poesia da Cooperifa que neste ano completa dez anos.

Eventos como esse melhoram a autoestima dos moradores?
Sim. Dentro disso vem todo um comportamento e uma manifestação artística que faz com que fortaleça a autoestima dos moradores da região. Não é zoeira.

Quem participa desses eventos?
Tem o Sérgio Vaz, o criador da Cooperifa. Tem o Ferréz, que é um escritor que já lançou vários livros e fala muito do Capão Redondo, da questão social e do comportamental das pessoas, do ambiente violento onde o cara é discriminado pela polícia e pelo sistema…

Com isso, as pessoas mudam de atitude e passam a reinvindicar mais?
Claro. Você promove uma conscientização, uma autovalorização e melhoria da autoestima da pessoa. A rapaziada que vive na periferia não tem grana para visitar o MAM (Museu de Arte Moderna), entendeu? Mesmo que a entrada seja grátis, reunir a família, pegar um ônibus, pagar um lanche e correr o risco de ser discriminado porque o cara não está vestido “adequadamente” não é fácil.

A melhoria da renda tem reflexos nessa mudança?
Com as mudanças econômicas do nosso país nestes últimos anos, tudo isso fez com que o povo começasse a se articular mais. As comunidades começaram a fazer coisas para ela mesma que integrasse as pessoas dessas comunidades. É um olhar interno. Por isso que falo que faço um jornalismo de dentro para fora. Para mim, é na periferia onde tudo acontece hoje. Os veículos de comunicação, as empresas, todo mundo quer saber o que está acontecendo por lá. Tratam como se fosse uma minoria. Mas estamos falando de uma maioria.

Você curte esse tipo de cultura?
Claro que gosto disso. Mas não tenho muito tempo para frequentar. E tem muita história para contar, mas ainda não escrevi nenhum livro. Rodo muito, mas não tenho muito tempo para me divertir.

O que tem de interessante pela região oeste?
Pela região tem o pessoal do Sem Querer que tem futebol de várzea ali na Benedito Bicudo. É o time de futebol que representa a Vila Madalena, Vila Beatriz, Vila Ida. Tem o pessoal das escolas de samba Pérola Negra, e da Águia de Ouro, que é demais!

Explique o que é o Progresso Compartilhado.
Nada mais é do que o capitalismo saudável. Não é aquela coisa de 99% para você e 1% para o resto. Isso não funciona. Tanto do ponto de vista social e econômico, isso cria um monte de degraus na sociedade e faz com que as pessoas fiquem infelizes. Acredito muito na evolução humana, na transformação das relações humanas. Se você prosperar e seu próximo também prosperar, todo mundo prospera junto. Se só você quiser prosperar, vamos ficar no estágio que estamos hoje.

As empresas pensam nisso?
Empresas e pessoas relacionadas ou não às instituições, pensam na relação do “ganha-ganha”. Todos nós juntos podemos prosperar e podemos ascender a um país mais equilibrado do ponto de vista de saúde da sociedade. Com isso, você não vai ter o reflexo de um garoto enfiando o cano de uma arma no farol. A violência é o resultado da desigualdade!

Como você explica a votação no Tiririca?
O voto no Tiririca foi mais um voto de revolta. É uma revolta furada, mas duvido que tenha sido séria. Acho que o povo votou na Dilma! Agora temos uma mulher na presidência. Pode ter ‘n’ defeitos, mas é uma mulher e presidente em um país conservador. Nosso povo tem muitos preconceitos! Quem trabalha pela comunidade, está fazendo isso porque o poder público está ausente. São pessoas preparadas e politizadas. Pessoas mais conscientes.

Como o rapper Mano Brown se juntou ao seu site?
Conheço ele há muitos anos, dos tempos de MTV e de outros veículos. No site tem um vídeo em quatro episódios mostrando como ele produz o trabalho dele, como ele sampleia, como ele produz as batidas. É um representante do brasileiro vencedor. É um talento da nossa música que admiro. Veio de baixo, faz uma música de protesto e venceu. É talentoso e um poeta representativo da nossa sociedade.

Quem mora na periferia tem orgulho disso?
Toda essa movimentação faz com que as pessoas tenham orgulho de suas origens. Quando você coloca um sarau no meio do nada e o pessoal recita Carlos Drummond de Andrade, você imagina a transformação na vida de um jovem. É uma valorização das nossas raízes e sempre surgem novos talentos.

Você passa um otimismo muito grande…
Não sou eu que sou otimista. É a transformação da nossa sociedade, graças a Deus. O nosso país precisa crescer. Tudo que a gente faz é voltado a isso. A gente tem problemas de administração, porém nós somos responsáveis pelo nosso ambiente, nossa casa, nosso entorno, nosso lixo, pelo olhar para com o próximo. A gente não pode reclamar do preconceito do outro se a gente tem preconceito.

Onde você espera chegar?
Eu luto para mudar. Juntos somos mais fortes e podemos mudar o país. Veja a movimentação contra o aumento das passagens dos ônibus. As pessoas estão saindo daquela zona de conforto social. A responsabilidade é nossa. Essas articulações comunitárias nada mais são do que um reflexo dessa necessidade que o ser humano tem. Ele não vive sozinho. E tenho constatado em cada reunião que participo. Gente lutando por um bem maior.

www.doladodeca.com.br

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