Oi, galera, chegamos!

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Oi, galera, chegamos!

Não importa se eles estavam em seis mil ou em 30. Para a professora da PUC-SP, doutora e livre-docente na área de antropologia, Silvia Borelli, o encontro entre jovens nos shoppings, conhecido como rolezinho, mostrou o poder de mobilização das redes sociais. 

Além disso, esses jovens responderam a um modelo de visibilidade imposto pela sociedade que diz: para ser alguém, apareçam. “Eles estão dizendo: aqui estamos”. Em coautoria com Rita de Cassia A. Oliveira e Rose de Melo Rocha, Silvia publicou o livro Jovens na Cena Metropolitana. Percepções, Narrativas e Modos de Comunicação. Desde 2002, integra o grupo de pesquisa “Jovens Urbanos” no Departamento de Antropologia e na Pós- -graduação em Ciências Sociais da PUC. 

As saídas dos jovens em grandes grupos sempre existiram, concorda?
Concordo. Uma das características da juventude é esse desejo de estar juntos. Isso é clássico. E no pressuposto de que algum lugar da cidade é sempre historicamente escolhido como lugares “meus”. É a fala dos jovens. Isso inclusive a gente trabalha no livro. E obviamente que isso acontece até hoje nas padarias, em parques públicos e, em especial, nas periferias, onde essa infraestrutura urbana para o lazer ainda é muito precária. Com a emergência dos shoppings, esses espaços se transformaram – veja bem, uma coisa que para mim é fundamental – nos lugares de apropriação juvenil. E aí é que vem a questão. Desde o seu aparecimento, os shoppings se apresentaram como lugares ao mesmo tempo públicos e privados. Óbvio que é um espaço privado, ninguém discute. Entretanto, eles se apresentaram chamando não apenas os jovens, mas toda a população, para aquilo que seria o uso público do espaço. Vocês vêm para cá, têm lazer, cinema, espaço para jogos eletrônicos. Quando esse espaço público é usado de uma forma que não lhes pareceu agradável, acionam apenas aquilo que teria seu lado empresarial e privado. 

Como esses encontros, dentro dessa estrutura, se transformou em uma coisa chamada rolezinho?
Vou fazer uma retrospectiva meio que comparativa. Nas manifestações do ano passado, o ponto de inflexão para aquilo se tornar um grande acontecimento foi a repressão policial, que não atingiu só manifestantes, mas fotógrafos, jornalistas, etc. Uma das hipóteses que eu trabalho é que a repressão aos meninos no Shopping Itaquera transforma isso em um acontecimento, que deixa de ser algo do cotidiano para assumir a característica de acontecimento público. Acontecimento que mobiliza as mídias, os governantes, a sociedade e, obviamente, alguém que, como eu, analisa esses fatos. 

Quem disse que tinha 6 mil pessoas no local e por que ninguém questionou?
Talvez importe menos o número, mas aquilo que gera uma visibilidade qualitativa, o que hoje é permitido pelas redes sociais. Quando você diz que historicamente os jovens se encontraram, e eu digo nos espaços públicos e agora nos shoppings, o que acontece é que o alcance desse encontro sempre foi muito menor, porque a capacidade de divulgação dos protagonistas tinha um alcance. A mediação das redes sociais tem um papel significativo e acho que importa menos o número exato, mas que, qualitativamente, isso tenha um significado: o poder de mobilização de uma massa concentrada em um segmento adolescente juvenil.

Os 6 mil mostram o poder de mobilização e também a grandeza de um número que desencadeou teses sobre comportamento, políticas públicas.
É a ordem de visibilidade que transforma o acontecimento e não o fato de ser 6 mil. A sociedade diz para todos nós: para que você pertença a alguma coisa, você tem de ser visível. Então, as redes sociais colaboram para essa visibilidade. Quando se tinha apenas a televisão, tornavam-se visíveis apenas aqueles que conseguiam entrar no circuito e com inúmeras mediações. Agora, as redes sociais permitem uma ordem de visibilidade e, veja bem, não estou dizendo que a culpa é das redes, estou dizendo que a sociedade tem um modelo de visibilidade que diz a todos nós. Para você existir, você tem de aparecer. E alguns deles estão respondendo: nós nos transformamos em celebridade. Uma menina tem 86 mil seguidores no Face. Aí nós perguntamos, dentro do modelo de celebridade: mas o que ela é? Ela não é líder de banda, não é atriz de TV. Ela é uma menina que alcançou nas redes um número absurdo de seguidores. Mas, veja bem, estamos precisando repensar determinadas categorias explicativas. Necessitamos rever aquilo que designa uma celebridade. E esses meninos estão respondendo a um modelo que demandamos deles: para existir, apareçam. Eles estão dizendo: aqui estamos. 

Mas o que diz para a senhora a reação da sociedade no caso do rolezinho?
Eu acho que a reação tem múltiplas conotações. Uma é essa dos shoppings, que se apresentavam como espaços públicos também e recuaram diante disso colocando liminares, algumas delas declaradamente discriminatórias, do meu ponto de vista. 

Por exemplo.
Qual é o critério que você vai adotar para dizer entra ou não entra? Se o menino é negro, de periferia, ele não entra. Estilo de vida patricinha entra. Alguns shoppings, nas suas liminares, disseram: só entram se acompanhado de um adulto. Nós vivemos reivindicando nas políticas públicas essa capacidade do jovem seguir seu percurso. E na hora que debatemos isso, a liminar de um shopping diz: só entra se acompanhado de um mais velho. Então é uma discriminação geracional também. 

E a sociedade fora do shopping?
Nós, que estamos inseridos em instituições, sejam elas educacionais, familiares ou como responsáveis por pastorais das mais diferentes religiões, temos que pensar em que projeto educacional nos propomos. Eu, particularmente, não partilho de um projeto que tenha como premissa a punição. Eu acho que alguns governantes perceberam, do ano passado para cá, e começaram a tomar cuidado com a forma de repressão policial. No caso da Prefeitura, ainda que eu tenha achado a proposta do Netinho [secretário municipal da Promoção da Igualdade Racial] meio segregacionista, porque diz ‘não vai lá fazer barulho no espaço do consumo, fica lá no estacionamento’, eu diria que aquilo que me agrada na proposta da Prefeitura é que vamos colocar em diálogo os diferentes envolvidos. Acho que o grande passo que demos, diferente do ano passado, foi esse diálogo. Como educadora, eu parto do princípio que essa é uma boa proposta.

Os governos, a mídia, os formadores de opinião não foram afoitos ao tratar do assunto?
Todos nós fomos pegos de surpresa desde o ano passado: cidadãos comuns, analistas acadêmicos e poderes públicos. A mídia também foi afoita, do meu ponto de vista. Nós, analistas, também. Eu fiz muita questão de dizer que não estava dando nenhuma resposta definitiva, nem no ano passado, nem este ano. Exatamente porque sempre tenho medo de conclusões quando as coisas estão em processo. Estive num seminário na Colômbia, no ano passado, e falei: ‘nós precisamos desenvolver metodologias de leitura’. E isso vale para mim, como acadêmica, e acho que vale para jornalistas e poderes públicos. Nós temos de tomar cuidado com a forma de análise. Porque processos em andamento merecem cuidado. E, se for para fazer uma análise do afoitamento, foi de todos nesse sentido. Primeiro a mídia tratou apenas das versões oficiais: do shopping, liminares, etc. Após quase uma semana é que foram ouvir esses meninos. Então, demorou. Quando chegamos neles, o que me pareceu interessante, vimos jovens de 17 anos que estavam no final do colegial e já tinham projeto para entrar na universidade. Nas casas mostradas na televisão, os meninos tinham armários no quarto. Ou seja, um estilo de vida mostrando o que nós chamamos de uma classe C em ascensão. O consumo que eles manifestam, em geral, demonstra aquilo que seria, sim, um item de ascensão, mas demonstra que nós começamos a ter nas últimas décadas políticas públicas de inclusão social que não apenas permitiram o consumo, mas permitiram o aumento da escolaridade. 

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